sábado, 29 de setembro de 2007

3 - A Bossa Nova conquista os EUA - 3ª parte

3ª parte

Mas nesse disco teve uma história interessante que Nornan Gimbell, que fez a letra em inglês da Garota de Ipanema, não queria deixar o nome Ipanema, pois pra ele e pros americanos Ipanema não sigificava nada e Tom tentava mudá-lo de idéia. Um dia os dois estavam no táxi em Nova York discutindo e o motorista falou pro Tom: “Senhor, seu amigo tem razão. Quem já ouviu falar nessa tal de Ipanema?” O Tom continuava irredutível falando que o título tinha que ser The girl from Ipanema de qualquer jeito, de tanto instistir Gimbel aceitou. Tom estava certo se os americanos não sabiam onde ficava Ipanema, logo eles saberiam.

O resto todo mundo já conhece, a música explodiu e o mundo inteiro soube onde ficava Ipanema, mas Tom nunca perdou Norman Gimbel, quando o apresentava a alguns músicos brasileiros o chamava de Norman Bengell, um trocadilho com a atriz e cantora Norma Bengell.

Mas a versão de inglês de Garota de Ipanema e de outras tantas do Tom Jobim, ficou bem inferior ao original, Tom sempre reclamou diso, tanto que anos depois cansado resolveu estudar mais a língua inglesa e fez suas próprias versões em inglês. Mesmo sendo inferiores ao original, as letras em inglês de músicas do Tom logo se tornaram um enorme sucesso entre os americanos, sendo regravadas por muitos cantores e cantoras.

Com o sucesso da Bossa Nova nos EUA, muitos músicos brasileiros passaram a ir para lá, como J. T. Meirelles, que em 1964, lança o disco O SOM, ao lado dos Copa 5, que seria considerado o surgimento do Samba-Jazz e faria um enorme sucesso nos EUA, as músicas do disco são: a expetacular Quintessência, Solitude, Blue Bottle's, Nordeste, Contemplação, Tânia, O novo som, Solo e Serelepe, também foi Sérgio Mendes, com um grupo que tinha Wanda Sá e Rosinha de Valença, também foi Walter Wanderley, que também faria um enorme sucesso nos EUA, com a versão instrumental de Samba de Verão. Além de nomes como Oscar Castro Neves, Eumir Deodato e Moacir Santos.

Em 1965, João Gilberto e Stan Getz lançam outro disco agora ao vivo no Carnegie Hall: GETZ / GILBERTO N.º 2, o disco começava com várias músicas americanas interpretadas por Stan Getz, sendo elas: Grandfather's waltz, Tonight I shall sleep with a smile on my face, Stan's blues e Here's that rainy day, e depois só música brasileira, interpretada pelo João Gilberto: Samba da Minha Terra e Rosa Morena, do Caymmi, Um abraço no Bonfá e Bim-Bom, do próprio João, Meditação e o Pato. O disco seria mais um grande sucesso e ganharia dois Grammys, fazendo que João Gilberto virasse disparado o músico brasileiro que mais ganhou Grammys. Apesar de ter sido uma parceria maravilhosa e feito um enorme sucesso, João Gilberto e Stan Getz se odiavam. Já que João Gilberto não sabia falar inglês, Tom Jobim acabou virando o intérprete. Uma vez, João Gilberto estava muito nervoso e falou pro Tom: "Fala pra esse gringo safado que ele é um filho da p., vagabundo", Stan Getz perguntou ao Tom o que o João tinha falado e o Tom, por não ser bobo falou: "Ele está falando que é uma grande honra está aqui com você", aí Stan Getz falou para o Tom: "Não é isso que está parecendo." Tanto se odiavam, que alguns anos depois Stan Getz acabaria tomando de João Gilberto a sua mulher Astrud Gilberto.

Também em 1965, Tom Jobim faria mais um disco maravilhoso: THE WONDERFUL WORLD OF ANTÔNIO CARLOS JOBIM, com a participação da orquestra de Nelson Riddle, no disco tinham as músicas: uma belíssima versão de Ela é Carioca, Água de Beber, a fenomenal Surfboard, uma música instrumental, só do Tom, Inútil Paisagem e Só tinha de ser com Você, do Tom e do Aloisio Oliveira, A Felicidade, uma rara versão com o Tom Jobim cantando, Bonita, uma música em inglês feita em parceria com Ray Gilbert, Favela, feita com o Vinícius, Valsa do Porto das Caxias, só do Tom, a belíssima gravação de Samba do Avião, só do Tom, uma verdadeira declaração de amor ao Rio de Janeiro, Por toda minha Vida, do Tom e do Vinícius e a bela Dindi, do Tom e do Aloisio de Oliveira.

No mesmo ano sai o disco BRAZILIAN MANCINI, de Jack Wilson, um pianista americano. O disco tinha a participação de um tal violonista chamado Tony Brazil, que muitos anos depois descobririam que esse violonista, não era ninguém menos do que Tom Jobim. Tom logo que chegou nos EUA teve um sério problema, pois os americanos tinham a imagem de brasileiro do "latin lover", o amante latino, e esse amante latino tinha que tocar violão. E ele foi obrigado a tocar violão, embora o violão estivesse longe de ser o seu primeiro instrumento. O disco era uma homenagem ao grande Henri Mancini, nele além de Tom, tem participação de Tião Neto e Chico Batera. Foi Tião que o chamou, mas Tom deixou claro que não poderia usar seu nome. O pseudônimo Tony Brazil foi uma idéia do próprio Tião Neto. O disco apesar de só ter músicas do Mancini tem um estilo bem Bossa Nova. As músicas desse raro disco são: Blue Satin, Days of wine and roses, Sally`s tomato, Sofly, Lujon, Mr. Lucky, Breakfas at Tiffany`s, Dear Heart e Night Flower. Não é um disco de interesse apenas histórico. É também um belo disco. Wilson, então com 29 anos, era um pianista respeitado na Costa Oeste americana e impressionou o próprio Tom por sua técnica. Praticamente não há solos de Tom, mas sente-se a leveza de seu dedo em vários arranjos.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

3 - A Bossa Nova conquista os EUA - 2ª Parte

2ª Parte

Apesar do show de uma maneira ter sido um fracasso, logo a Bossa Nova começa a virar febre nos EUA, contrapondo ao Rock. Os americanos a princípio não entendem o novo ritmo, mas começam a adorá-lo como se fosse a salvação do Jazz, que estava vivendo uma enorme crise, principalmente por causa do Rock, que tinha conquistado vários jovens. Era o fim de uma era, de Chet Backer, Cole Porter e Gershiwn, por coincidência foram alguns nomes que a Bossa Nova teve influência. A Bossa Nova veio para competir com o Rock, mesmo não sendo um ritmo dançante como o Rock, muitos americanos tentaram dançar com Bossa Nova, especialmente num tom bem jazzístico do quarteto de Oscar Castro Neves. A Bossa Nova acabou indo para a Brodway, onde foi apresentada pelo nome de "New Beat", o Novo Som.

A Bossa Nova passou a ser o símbolo do governo do presidente João Kennedy, sendo que sua mulher Jaqueline Kennedy, adorou o novo estilo vindo do Brasil, a música preferida de Jackie era Maria ninguém, do Carlos Lyra, a qual a chamava de Maria nobody. Logo grandes músicos de Jazz como Gerry Mullingan e Henri Mancini se apaixonaram pela Bossa Nova e passaram a tocá-la nos seus discos e shows.

Também no ano de 1962, o grande Herbie Mann grava no Rio de Janeiro o disco BOSSA NOVA COM HERBIE MANN, onde ele, ao lado de grandes nomes da Bossa Nova interpreta várias músicas como: Deve ser amor, do Baden Powell e do Vinícius de Moraes, com o Baden no violão, Menina Feia, do Oscar Castro Neves e do Luverci Fiorini, toca com o Bossa Rio, o grupo instrumental de Sérgio Mendes, Amor em Paz, do Tom Jobim e do Vinícius de Moraes, com o Tom no piano, Você e Eu, do Carlos Lyra e do Vinícius de Moraes, com a participação do trio do pianista Luiz Carlos Vinhas, One Note Samba, a versão em inglês de Samba de uma nota só, com o Tom cantando pela primeira vez em um disco, Blues Walk, do Clifford Brown, também ao lado do Bossa Rio, Consolação, do Baden Powell e Vinícius de Moraes, também com o Baden no violão e Bossa Velha, do próprio Herbie Mann, ele é acompanhado por uma escola de samba.

Em 1963, Tom procurou um agente em Nova York e reclamou com ele da má qualidade das versões americanas de suas músicas. "Como é que o Frank Sinatra vai gravar minhas músicas com essas letras?", ponderou Tom. "E quem é que disse que o Frank Sinatra vai gravar suas músicas", replicou o agente, com um debochado sorriso nos lábios.

Em 1963, aconteceria um disco histórico, lá nos EUA, Tom Jobim faz o disco THE COMPOSER OF DESAFINADO PLAYS, que tinha só de músicas instrumentais, com grandes clássicos do Tom, com o próprio ao piano. As músicas do disco eram: a primeira versão de Garota de Ipanema nos EUA, Amor em Paz, Água de Beber, do Tom e do Vinícius, Vivo Sonhando, só do Tom, O morro não tem vez e Insensatez, do Tom e do Vinícius, Corcovado, só do Tom, Samba de uma nota só, Meditação, Só danço Samba, também com o Vinícius, Chega de Saudade e no final Desafinado. Foi o primeiro disco solo do Tom Jobim.

O disco acabaria virando uma peça valiosa, ganhando o Grammy de melhor álbum em 1964, sendo o primeiro Grammy do Tom. Um crítico americano quando ouviu o disco lamentou que só podia dar no máximo 5 estrelas, pois o disco merecia mais. E até falou que se a Bossa Nova acabasse naquele momento já seria lembrada para sempre por causa desse disco.

Em 1964, um encontro memorável: João Gilberto e o saxofonista Stan Getz. Os dois acabaram virando parceiros de um disco que ficaria para a história da música mundial: GETZ / GILBERTO, o disco teria participação da mulher do João Gilberto, Astrud e do Tom Jobim, no piano. No disco tinha as músicas Garota de Ipanema, cantada pela primeira vez em inglês, com a mulher Astrud, Doralice, de Dorival Caymmi, Para machucar meu coração, de Ary Barroso, a mais famosa gravação de Desafinado, Corcovado, também cantada em inglês, pela Astrud, Só danço samba, O grande amor, do Tom e do Vinícius e Vivo Sonhando. Para se ter uma idéia do que foi esse disco ele vendeu mais de 1 milhão de cópias nos EUA e ganhou quatro Grammys, inclusive de melhor álbum e de melhor música com Garota de Ipanema, sendo que essa música acabou virando quase um hino do estilo de vida americano da década de 60, virando depois a música brasileira mais famosa no exterior. Com Garota de Ipanema, todos os americanos passaram a sonhar com uma praia paradisíaca e muita mulher bonita, virou o principal símbolo do Brasil.

domingo, 23 de setembro de 2007

3 - A Bossa Nova conquista os EUA


1ª Parte

Desde 1960, por causa do filme Orfeu do carnaval, a Bossa Nova chegou aos EUA. O filme acabaria ganhando o Oscar de melhor filme estrangeiro e Luis Bonfá e o cantor Agostinho dos Santos começaram a ficar conhecidos em solo americano.

Mas o primeiro músico da Bossa Nova a ficar conhecido nos EUA foi João Donato que em 59, já que ninguém mais queria saber de chamá-lo para nada, passou a ter dificuldades até para tocar de graça. À medida que evoluía como instrumentista e arranjador, ampliava sua fama de maluco e irresponsável. Faltas, atrasos e excesso de aditivos acabaram tornando-o persona non grata nas casas de show do Rio de Janeiro.
Sem emprego, se mandou para os Estados Unidos a convite do músico Nanai, que o chamou para uma temporada.

Acabou ficando treze anos. Sua estadia na Califórnia marca o início de uma pequena revolução jazzística da qual ele foi participante ativo. Donato simplesmente conseguiu o que nunca pode fazer no Brasil: reincorporar a musicalidade afro-cubana ao jazz. Adotado por "cobras" do gênero latino como os cubanos Tito Puente, Mongo Santamaria e Johny Rodrigues e os americanos Herbbie Mann e Eddie Palmieri, João Donato abriu caminho para que, mais tarde, João Gilberto e Tom Jobim fizessem o enorme sucesso que até hoje perdura no exterior.

No início dos anos 60 músicos americanos do porte de Ella Fitzsgerald e Herbbie Mann em visita ao Rio de Janeiro conheceram a Bossa Nova e logo começaram a divulgá-la nos EUA.

Em 1962, durante o show no Au Bom Gormet, envolvendo Tom Jobim, Vinícius de Moraes, João Gilberto e Os Cariocas, aparece um disc jockey de Washington chamado Felix Grant, naquela noite ele veio falar com o produtor Aloiso Oliveira e perguntou onde se poderiam encontrar os discos das músicas apresentadas no show. Aloiso lhe disse que aquelas músicas eram inéditas e ainda não haviam sido gravadas, mas que ele poderia adquirir outros discos de Bossa Nova, que já se encontravam à venda. Depois disso ele comprou os discos que pode encontrar e voltou para Washington. Lá, iniciou uma divulgação intensa, por intermédio de seu programa, da Bossa Nova.

Passaram por lá músicos como Stan Getz e Charlie Byrd, que imediatamente se interessaram pelo novo estilo que vinha do Brasil, no mesmo ano lançaram o disco que tinha uma versão instrumental de Desafinado, foi um tremendo sucesso e os dois venderam 1 milhão de cópias pelo disco.

No dia 22 de novembro de 1962, foi feito o show inaugural da Bossa Nova nos EUA, e o lugar não podia ter sido mais bem escolhido: o Carnegie Hall, em Nova York.

Quem produziu o show foi o empresário Sydney Fry, na verdade o show foi apenas um pretexto para passar na televisão e vender o disco do show. O show foi uma verdadeira bagunça, todo mundo entrou, os cantores sérios da Bossa Nova, e muita gente que não tinham nada ver com aquilo, por exemplo, a Carmem Costa que entrou com duas maracas, o Caetano Zamataro fazendo passo de escola de samba, e uns caras fazendo batucadinhas atrás. Teve até o músico americano Claude Bernie cantando "I wanna samba, I wanna samba, go, go, go,". Foi uma verdadeira zona. O compositor Carlos Lyra perguntou ao Sidney se uma imensa fila que estava atrás era de gente que queria ver o show e o Sidney falou que era para cantar. Com isso, o Carlos Lyra ficou aborrecido com aquela bagunça toda e não queria mais cantar, e chamou o Tom para eles irem embora. E disse: "Tom, a gente tem de sair fora desse negócio, vamos eu, você, João Gilberto, o Bonfá, o pessoal que veio aqui fazer as coisas direito, vamos embora daqui, não vamos fazer esse show não". E o Tom disse: "Carlinhos, você assinou aquele contrato do Sidney Fry?" Ele disse que sim, e o Tom falou: "Pois é, aqui não se pode fazer isso não, assinar um papel e ir embora, porque aqui tem cadeira elétrica!"

Apesar disso tudo, o show teve João Gilberto, Carlos Lyra, Tom Jobim, Roberto Menescal, Sérgio Mendes, Luis Bonfá e Agostinho dos Santos, sendo que esses dois últimos foram os mais aplaudidos, pois já eram celebridades nos EUA. A grande ausência foi João Donato, porque só o convidaram na véspera. Ele disse: "Perá aí. Aqui não é a casa da mãe Joana. Se me avisassem com uma semana de antecedência”. O João Gilberto ligou pra ele e disse para ele ir para o aeroporto que tinha uma passagem esperando. Não deu. E eles pensaram muito antes de fazer o show em Nova York. Como ele não estava incluído, não foi. Eles podiam ter lembrado. Faltaram inclui-lo na lista mesmo. Entrou o lado político também. Segundo alguns, ele não deveria ter recusado o convite, deveria ter largado tudo e comparecido.

O disco do show se chamou BOSSA NOVA AT CARNEGIE HALL e as músicas eram Samba de uma nota só, instrumental com Sérgio Mendes, Bossa Nova York, com o Bola Sete, a Carmem Costa e José Paulo, Zelão, cantada por Sérgio Ricardo, o autor da música, Não faz assim, do Oscar Castro Neves, interpretada pelo seu quarteto, Influência do Jazz, com o Carlos Lyra, que foi uma música de protesto, feita porque a Bossa Nova estava ficando cada vez mais parecida com o Jazz, Manhã de Carnaval, tendo uma raridade: Luís Bonfá cantando, depois teve outra vez Manhã de Carnaval, agora cantada pelo Agostinho dos Santos, com Luís Bonfá no violão e o quarteto do Oscar Castro Neves, foi a mais aplaudida de todas, A Felicidade, também cantada pelo Agostinho dos Santos, com Luis Bonfá no violão e o quarteto do Oscar Castro Neves, Outra Vez, com João Gilberto cantando e o Tom Jobim e o Milton Banana no piano, também foi muito aplaudida, outra versão de Influência do Jazz, também cantada pelo Carlos Lyra, mas com a companhia do quarteto do Oscar Castro Neves, outra versão de Bossa Nova York, com o quarteto do Oscar Castro Neves junto com Caetano Zama, o autor da música, depois, Roberto Menescal, estreando como cantor, cantando a sua música O Barquinho e no final mais duas músicas interpretadas pelo quarteto do Oscar Castro Neves: Amor no Samba e Passarinho.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

2 - O início e o apogeu

Com isso tudo, a música brasileira estava caminhando para uma mudança radical. A música, pelo menos a que se ouvia no rádio e nos discos, era insuportável para um adolescente no final dos anos 50. Boleros e sambas-canções falavam de encontros e desencontros amorosos infinitamente distantes das vidas de praia e cinema, de livros e quadrinhos, de inicio da televisão e da ânsia de modernização. Para os garotos de classe média de Copacabana, aqueles cantores da Radio Nacional e suas grandes vozes, dizendo coisas que não os interessavam em uma linguagem que não entendiam, eram abomináveis.

No meio desses cantores de grandes vozeirões, apareceu um que tinha uma voz baixinha: chamado João Gilberto. No apartamento da Nara Leão, João Gilberto, junto com a Nara, Roberto Menescal, Carlos Lyra, Oscar Castro Neves, de tanto tentar buscar uma batida de violão diferente acabaram achando. João Gilberto, ninguém sabe como, um dia apareceu com uma batida que se parecia com um Marcha-Rancho, que misturava o Samba tradicional com a música americana. Possivelmente essa batida surgiu depois do encontro com João Donato, que já fazia no acordeão, praticamente a mesma coisa que João Gilberto passaria a fazer no violão. João Gilberto disse que essa batida foi inspirada no sacolejo das baianas em Juazeiro. Naquela época João Gilberto, além do gosto pela música também gostava da erva. Tanto que seu apelido na época era “Zé Maconha”. Diz o escritor Ruy Castro que ele teve que ir para Diamantina, em MG, para sofrer uma desintoxição. Ficou por lá um mês, passava o dia inteiro no banheiro da casa de uma prima dele tocando violão, diz a lenda que foi de lá que ele apareceu com a batida da Bossa Nova.

No fim de 1957, o jornalista Irineu Garcia que dois anos antes, havia fundando um pequeno selo chamado Festa, para gravar poetas brasileiros dizendo seus poemas. Um desses poetas era o diplomata Vinícius de Moraes, seu colega de uísques no Villarino, no centro do Rio de Janeiro. Mas Vinícius estava se bandeando para a música popular e já tinha uma gaveta de sambas e canções em parceria com Tom Jobim. Num papo entre os dois no Villarino nasceu um disco que seria histórico. A primeira cantora de que cogitaram foi Dolores Duran, também parceira de Tom e amiga dos três. Mas Dolores não se empolgou com a idéia de gravar uma parceria alheia. Então pediu alto, sabendo que Irineu não poderia atendê-la. Subitamente sem cantora, Tom, Vinícius e Irineu voltaram-se para aquela que, depois, passou a parecer uma escolha óbvia: a classuda Elizete Cardoso, a Divina. Mas Elizete era contratada da gravadora Copacabana - que só aceitou empresta-la se isso ficasse registrado na capa do LP. Com tudo acertado, os três partiram para os arranjos e ensaios na casa de Tom, em Ipanema, num endereço que, por causa desse disco, ficaria célebre: Rua Nascimento Silva, 107.

Tom queria dar às orquestrações uma simplicidade quase de câmara. Para isso, usaria poucos instrumentos: doze cordas, dois trombones, uma flauta, uma trompa e a seção rítmica - e, mesmo assim nem todos ao mesmo tempo.

O disco traz 13 faixas, sendo que destas, só uma não era inédita: Outra Vez, que já tinha sido gravada por Dick Farney em 1954. Tom e Vinícius, talvez por medo do que viria a acontecer, colocaram praticamente todas as músicas do disco no ritmo de Samba Canção, o ritmo dominante do Brasil na época. Apenas duas músicas tinham algo diferente. As duas músicas tinham participação de um violonista, que apenas um grupo seleto de pessoas no Rio sabia de quem se tratava um baiano de 31 anos: João Gilberto. As músicas do disco eram Chega de Saudade, Serenata do Adeus, As Praias Desertas, Caminho de Pedra, Luciana, Janelas Abertas, Eu não Existo sem Você, Outra Vez, Medo de Amar, Estrada Branca, Vida Bela, Modinha e Canção do Amor Demais. As duas músicas que tinha participação de João Gilberto eram: Chega de Saudade e Outra Vez.

João Gilberto não participou de todos os ensaios. Houve divergências entre ele e Elizete quanto à maneira de cantar Chega de Saudade. João advogava um canto seco, sem vibrato. Mas Elizete não via razão para modificar seu estilo e pode ter-se irritado com João Gilberto - disse a Irineu que não se adaptou àquela batida e que preferia ter ao violão seu velho acompanhante, o grande Mão de Vaca. Mas Irineu pôs panos quentes: João Gilberto ficou e Elizete cantou como gostava, tornando o disco ainda mais representativo. No contraste entre os dois estilos em Chega de Saudade pode-se quase ver a transição do samba tradicional para a Bossa Nova. É a história acontecendo. Pronto o LP, Vinícius sugeriu que se título fosse Eu não Existo sem Você. Tom preferia que ele se chamasse Chega de Saudade. Mas Irineu, como produtor, delicadamente impôs Canção do Amor Demais. O LP CANÇÃO DO AMOR DEMAIS chegou às lojas em Abril de 1958. A maioria dos compradores de discos só tinha um motivo para se interessar por ele: a foto e o nome de Elizete Cardoso na capa, pois Elizete tinha prestígio, mas quase ninguém ainda conhecia Tom e Vinícius, os autores das músicas.

Quando acabaram de gravar Chega de Saudade, Tom Jobim e João Gilberto encontraram-se na Avenida Rio Branco com o influente letrista e radialista Haroldo Barbosa. Tom disse: "Haroldo, acabamos de gravar um negócio que eu acho que vai pegar".

No mesmo ano, em Dezembro, João Gilberto lançaria o seu primeiro disco: um 78 rpm da Odeon contendo, de um lado, a mesma Chega de Saudade, só que cantada por ele e com a mesma batida do violão; do outro lado, uma composição sua, chamada Bim-Bom (e, de novo, a inconfundível batida). Foi uma revolução. Ouvindo num rádio de pilha Spica - a nova sensação tecnológica, novidade absoluta recém-chegada ao Brasil - João Gilberto cantando Chega de saudade. Foi como um raio. Aquilo era diferente de tudo que já se tinha ouvido, muitos ficaram chocados, sem saber se tinham adorado ou detestado. Mas quanto mais se ouvia mais gostavam.

Logo João Gilberto virou ídolo dos mais jovens entre eles nomes como Nelson Motta, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Edu Lobo, Joyce, Wanda Sá e mais outros que mais tarde ficariam na história da música brasileira, tudo por causa dessa batida de violão.

A bossa nova era a trilha-sonora que faltava, que diferenciaria dos "quadrados" e dos antigos, dos românticos e melodramáticos, dos grandiloquentes e dos primitivos, dos nacionalistas e regionalistas, dos americanos. Tínhamos uma música que imaginávamos só para nós. João Gilberto era o pastor desses jovens e nada os faltaria.

Em 1959, João Gilberto era um sucesso nacional, era adorado e detestado, acusado de desafinado e de afeminado, celebrado como o inventor de um novo gênero musical. Muitos ouviam apaixonadamente como o criador de uma maneira nova de cantar e tocar, com um mínimo de voz e um máximo de precisão, com harmonias e ritmos que refinavam e sofisticavam qualquer canção. Com isso alguns deles acharam que qualquer um poderia virar cantor.

Enquanto isso os mais velhos odiavam João Gilberto e o novo ritmo. Falavam que era uma cópia do Jazz e era coisa de americano.

Nesse período o Brasil vivia uma de suas mais gloriosas fases de sua história: o Brasil passou a se desenvolver em várias áreas com o presidente Juscelino Kubithseck aconteceram os cinqüenta anos em cinco, culminando com a fundação de Brasília e o Brasil passou a ter várias indústrias, o cinema nacional começou a ser respeitado mundialmente, na pintura apareceu Portinari, no esporte, o Brasil foi pela primeira vez Campeão do Mundo no Futebol, lá na Suécia, revelando para o mundo nomes como Pelé e Garrincha, a tenista Maria Esther Bueno foi campeã em Wimbledow, o basquete masculino foi campeão pela primeira vez, Ademar Ferreira da Silva é campeão olímpico de salto triplo e vários outros feitos.

Em 1959, João Gilberto fez o disco CHEGA DE SAUDADE, que para muitos foi considerado o melhor disco brasileiro de todos os tempos.

No texto da contracapa, Tom Jobim usou a expressão "bossa nova":

João Gilberto é um baiano, "bossa nova" de vinte e seis anos.

Em pouquíssimo tempo, influenciou toda uma geração de arranjadores, guitarristas, músicos e cantores. Nossa maior preocupação, neste LP foi que Joãozinho não fosse atrapalhado por arranjos que tirassem sua liberdade, sua natural agilidade, sua maneira pessoal e intransferível de ser, em suma, sua espontaneidade. Nos arranjos contidos neste LP Joãozinho participou ativamente; seus palpites, suas idéias, estão todas aí.

Quando João Gilberto se acompanha, o violão é ele. Quando a orquestra o acompanha, a orquestra também é ele. João Gilberto não subestima a sensibilidade do povo.

Ele acredita que há sempre lugar para uma coisa nova, diferente e pura que - embora à primeira vista não pareça - pode se tornar como dizem na linguagem especializada: altamente comercial. Porque o povo compreende o amor, as notas, a simplicidade e a sinceridade. Eu acredito em João Gilberto, porque ele é simples, sincero e extraordinariamente musical.

P. S. - Dorival Caymmi também acha.

No disco tinha mais uma versão de Chega de Saudade, tinha Lobo Bobo, com direito a um “lobo bobo” dito pelo João no final, do Carlos Lyra e do Ronaldo Boscoli, Brigas nunca mais, do Tom e do Vinícius, Ho-bá-lá-lá do próprio João Gilberto, Saudade fez um samba, numa interprtação expetacular do João Gilberto, também do Carlos Lyra e do Ronaldo Boscoli, Maria Ninguém, só do Carlos Lyra, a sensacional Rosa Morena, do Dorival Caymmi, Morena boca de ouro, de Ary Barroso, Bim Bom, também do próprio João, Aos pés da cruz, do Marino Pinto, É luxo só, também de Ary Barroso e a resposta aos críticos: Desafinado, do Tom e do Newton Mendonça. Realmente esse disco é expetacular, têm arranjos feitos pelo Tom Jobim, um disco histórico que marcou época.

Com isso a Bossa Nova passou a designar o novo estilo e virou febre nacional, tudo era Bossa Nova, a música, o cinema, a televisão, a marca de refrigerador, no futebol e até o presidente Juscelino, que virou “Presidente Bossa Nova” como o compositor Juca Chaves o chamou em uma música sua.

Mas quem criou essa expressão?

Até hoje ninguém sabe, mas o primeiro a usar a palavra Bossa, foi o sambista Noel Rosa, ainda na década de 30, com a sua música Coisas Nossas.

Dizem que o criador do termo foi um engraxate que, enquanto puxava o brilho aos sapatos do jornalista Sérgio Porto, assobiava uma música. Sérgio quis saber que música era aquela, ao que o garoto respondeu: “É uma bossa nova..."

Ninguém sabe se a letra de Desafinado, foi antes ou depois do batismo que dizia: "que isso é bossa nova... que isso é muito natural...” O produtor de shows Aloiso Oliveira conta que para ele, o nome bossa nova não era nada estranho. Em 1939 nos Estados Unidos, o Zézinho ou Zé Carioca, já dizia quando observava a iluminação de mercúrio nas estradas: "Olha! Iluminação bossa nova!".

Segundo o Roberto Menescal, o termo Bossa Nova surgiu quando ele, mais Carlos Lyra e outros foram fazer um show acompanhando a cantora Sylvia Telles e o produtor do show, não sabendo como iria chamar o grupo deles colocou no cartaz: Hoje show com Sylvia Telles e um grupo Bossa Nova.

Mas, afinal o que é a Bossa Nova?

Uns a definiram de um modo pitoresco ou poético, dizendo que a Bossa Nova nasceu em virtude dos apartamentos da zona sul. Como as reuniões musicais eram feitas à noite e em geral duravam até tarde, o canto e o violão, eram forçados a serem feitos em tom macio e baixinho, para não incomodar os vizinhos.

Também naquele ano teve o show a "Operação Bossa Nova", produzido e apresentado por Ronaldo Boscoli no palco, de terno e gravata, explicando entre um numero e outro que Bossa Nova era o moderno, o novo, o diferente, que era "um estado de espirito ". Também tinha a cantora Nara Leão, timidíssima, cantando de uma maneira que todos ficaram sem saber se gostavam ou não. Mas sem duvida queriam ver de novo: ela era de uma beleza estranha, tinha uma bocona, uns olhos meio caídos que lhe davam um ar de musa existencialista, um cabelo muito liso e muito escuro e uma pele muito branca, um fio de voz e um charme discretíssimo, sem duvida ela era diferente. A cara da bossa nova.

No show, Lúcio Alves, Alayde Costa e Sylvinha Telles e os desconhecidos Carlinhos Lyra, Oscar Castro Neves e Nara cantavam e tocavam umas músicas muito diferentes de tudo que se ouvia no radio e na televisão, parecidas com as que João cantava. Eles se apresentavam de uma maneira mais informal e intimista, as músicas pareciam mais leves e melodiosas e as letras falavam de situações e pessoas parecidas com a vida que se levava nos apartamentos, nas praias e nas ruas de Copacabana e Ipanema naqueles anos bacanas.


No dia 13 de novembro de 1959 teve o histórico Show da Escola Naval com gravação ao vivo do concerto de Bossa Nova produzido por Ronaldo Bôscoli na Escola Naval, no Rio de Janeiro, com Alaide Costa, Carlos Lyra, Chico Feitosa, Irmãos Castro Neves (Oscar, Mário & OIC), Lúcio Alves, Luiz Eça, Roberto Menescal e Sylvinha Telles. Escola Naval é uma instalação militar no Rio de Janeiro. A audiência foi talvez uma mistura de militares e fãs, e de acordo com Ruy Castro no livro “CHEGA DE SAUDADE". O teatro tinha uma capacidade de 600 lugares e quase 1000 pessoas participaram. Nesse show Ronaldo Bôscoli teve que explicar o que era Bossa Nova, acabou escolhendo a saída mais fácil: “É o que há de moderno, de totalmente novo e de vanguarda na música brasileira”. Esta gravação foi ao vivo e durou aproximadamente 65 minutos. Foi um grande show – embora qualquer pessoa pudesse notar a diferença entre os amadores e os cantores de verdade. Muitos detalhes que certamente surpreende à maneira como algumas canções clássicas foram realizadas no início, várias conversas interessantes entre os artistas intérpretes ou executantes, com alguns momentos realmente agradáveis com Ronaldo Bôscoli, Lúcio Alves e Sylvinha Telles. As gravações em fitas durante muitos anos passaram na mão de alguns privilegiados colecionadores até que chegou a era digital e foi disponibilizado em mp3 na internet.
As faixas do show são: Não faz assim, com Luiz Eça e Irmãos Castro Neves, Dialogo, com Ronaldo Bôscoli, Minha saudade, com Luiz Eça e Irmãos Castro Neves, Dialogo, com Ronaldo Bôscoli, A felicidade, com Luiz Eça e Irmãos Castro Neves, Dialogo, com Ronaldo Bôscoli e Lucio Alves, Agora é cinza, com Lucio Alves, Dialogo, com Ronaldo Bôscoli e Lucio Alves, Por causa de você, com Lucio Alves, Dialogo, com Ronaldo Bôscoli, Dizem por ai, com Lucio Alves, Dialogo, com Ronaldo Bôscoli e Sylvinha Telles, Discussão, com Sylvinha Telles, Dialogo, com Sylvinha Telles, Começou assim, Sylvinha Telles, Sente, com Sylvinha Telles, Dialogo, com Ronaldo Bôscoli e Sylvinha Telles, Oba-la-la, com Sylvinha Telles, Dialogo, com Ronaldo Bôscoli, Sylvinha Telles e Carlos Lyra, Barquinho de papel, com Carlos Lyra, Dialogo, com Ronaldo Bôscoli, Maria ninguém, com Carlos Lyra, Dialogo, com Ronaldo Bôscoli, Lobo bobo, com Carlos Lyra, Dialogo, com Ronaldo Bôscoli e Alaíde Costa, Chora tua tristeza, com Alaíde Costa, Dialogo, com Ronaldo Bôscoli, Garota Be Bop, com Alaíde Costa, Lagrima, com Alaíde Costa, Dialogo, com Alaíde Costa, Só não vem você, com Alaíde Costa, Dialogo, com Ronaldo Bôscoli e Chico Feitosa, Ciúme, com Chico Feitosa, Dialogo, com Chico Feitosa, Complicação, com Chico Feitosa, Dialogo, com Ronaldo Bôscoli, Saudade fez um samba, com Roberto Menescal, Dialogo, com Ronaldo Bôscoli e Reloginho da vovó, com Luiz Eça e Irmãos Castro Neves.
No mesmo ano, um cineasta francês, em visita ao Brasil, acaba descobrindo a peça Orfeu da Conceição, do Vinícius de Moraes e acaba querendo fazer um filme sobre ela. Vinícius aceitou e no filme tinha o cantor Agostinho dos Santos como Orfeu, com músicas do Tom, do Vinícius e de Luís Bonfá. O filme se chamou Orfeu do Carnaval. O filme, realmente foi muito ruim, mas acabou ganhado a Palma de Ouro, no festival de Cannes, na França e no outro ano o Oscar de melhor filme estrangeiro. Nem Vinícius quando foi ver o filme, ao lado de Juscelino, agüentou ver, se levantou antes do final e foi embora. O filme foi bem diferente da idéia original do Vinícius: era uma visão dos europeus aos morros cariocas, bem diferentes da realidade nossa.

O que ficou para sempre no filme foram as músicas Frevo e A felicidade, do Tom e do Vinícius, Samba de Orfeu e Manhã de Carnaval, do Luís Bonfá, sendo que esta última foi o tema do filme e com essa música o mundo passou ter uma outra visão do Brasil, diferente daquela dada por Carmem Miranda vestida de baiana. As músicas da trilha do ORFEU NEGRO foram: A francesa Génerique, a explendorosa A Felicidade, Frevo, O nosso amor, as três do Tom e do Vinícius, a expetacular Manhã de Carnaval, as também francesas Scene du Lever du Soleil, Scenes de la Macumbe, Samba de Orfeu, Baterrie de capela e no final um medley de Manhã de Carnaval, A felicidade e O nosso amor, tocadas pelo Bola Sete. Dorival Caymmi disse muito tempo depois que o diretor do filme não gostou da música A felicidade, que tinha um compositor que o mundo até então não conhecia, que era o Tom Jobim, por isso pediu que ele fizesse uma canção pra substituir A felicidade. Como deu pra perceber ele não aceitou, sorte a nossa, porque logo depois a música seria sucesso no mundo todo e Tom Jobim, seria só o músico brasileiro mais famoso no mundo em todos os tempos.

Também em 1959, a cantora Sílvia Teles lança um disco só de músicas do Tom Jobim. O disco se chamou AMOR DE GENTE MOÇA. As músicas do disco eram: Dindi, De você eu gosto, as duas com o Aloisio de Oliveira, Discussão, com o Newton Mendonça, Sem Você, com o Vinícius, Fotografia, só do Tom, outra gravação de Janelas Abertas, Demais, também com Aloisio Oliveira, O que tinha de ser, A Felicidade, Canta, Canta mais, as três com o Vinícius, Só em teus braços e Esquecendo Você, as duas só do Tom.

No mesmo ano a cantora Lenita Bruno, lança o disco POR TODA MINHA VIDA, só com músicas do Tom e do Vinícius. As músicas do disco foram arranjadas por Léo Perachi e participação de Radamés Gnatalli no piano. Ainda num clima bem de samba canção. As músicas do disco são: Por toda minha vida, Serenata do Adeus, Estrada branca, Soneto de Separação, Valsa de Orfeu, Canção do amor demais, As praias desertas, Eu sei que vou te amar, Canta, canta mais, Modinha, Cai a tarde, uma rara música do Tom com o Vinícius, Sem você e Eu não existo sem você. O disco foi feito por Irineu Garcia.

Numa noite quente do outono carioca de 1960, um show marcou para sempre a história da música brasileira.

No anfiteatro ao ar livre da Faculdade de Arquitetura, na Praia Vermelha, as luzes se apagaram e ouviu-se a gravação de Sylvinha Telles e grande orquestra de Eu preciso de você (Tom Jobim e Aloysio de Oliveira). Uma abertura festiva e empolgante, não em ritmo de bossa nova, mas de ouverture da Broadway. Uma a uma se iluminaram as janelas do segundo andar atrás do palco e de cada uma delas foi desfraldada uma bandeira, com as palavras "a noite", "do amor", "do sorriso" e "da flor", no meio do publico que superlotava os dois mil lugares do anfiteatro.

Muita gente estava ali para ver João Gilberto, lançando o seu segundo LP, O AMOR, O SORRISO E A FLOR, que estourava nas rádios com clássicos instantâneos como Samba de uma nota só, do Tom e do Newton Mendonça, Corcovado, só do Tom, O pato, do Jayme Silva e Neusa Teixeira e Meditação, de Tom Jobim e Newton Mendonça, cujos versos deram nome ao disco e ao show e um slogan para o novo movimento musical:

"Quem acreditou
no amor, no sorriso e na flo
então sonhou, sonhou,
e perdeu a paz,
pois o amor, o sorriso e a flor
se transformam depressa demais..."

Muitos estavam ali para ver Norma Bengell, que era uma das mulheres mais bonitas e desejadas do Brasil, vedete das revistas de Carlos Machado, estrela da coluna de Stanislaw Ponte Preta, sonho erótico nacional. Ela tinha lançado um disco pela Odeon, "Oooooh Norma”, onde cantava com voz sexy e cool standards americanos, canções de Tom Jobim e o Oba-la-lá de João Gilberto.

Alguns poucos estavam ali também para ouvir a bossa dos novos cariocas Nara Leão, Nana e Dory Caymmi, Luiz Carlos Vinhas, Roberto Menescal e Chico Feitosa e de paulistas desconhecidos como Sérgio Ricardo, Johnny Alf, Pedrinho Mattar e Caetano Zama.

Ronaldo Boscoli era o apresentador e um dos produtores do show, numa bem sucedida manobra em conjunto com o marketing da Odeon: Ronaldo lançava a sua turma de amigos e a gravadora o disco de João. Mas a Odeon exagerou: escalou para a "Noite do amor, do sorriso e da flor" alguns de seus artistas mais populares, como o nordestino e bolerístico Trio Iraquitã e a explosiva sambista carioca Elza Soares, que não tinham nada a ver com a bossa nova. Muito pelo contrário.

Norma entrou esfuziante, com cabelos louros e curtos e pernas enormes, ovacionada pelo público. Lindíssima, cantou com voz felina uma música de Oscar Castro Neves e Luvercy Fiorini dedicada às feiosas:

"Vem menina feia,
amor bonito você vai encontrar,
há um pequeno principe esperando por você,
que vai de amor te encantar...”

E depois, todo mundo, bossa ou não, cantou.

Cantou até Normando Santos, um pernambucano muito alto e muito magro, com uma voz grave e sotaque carregado e um estilo meio antigo de cantar. Cheio e sorrisos e simpatia, ele abriu o vozeirão em Jura de pombo, primeira parceria de Roberto Menescal com Ronaldo Boscoli, sobre uma briga de amor entre um casal de pombos, com final feliz. Começava com a pombinha toda de branco indo se encontrar com um pombo moreno.

A letra não era de duplo sentido, mesmo num tempo em que “pombinha “era uma lírica gíria para as partes femininas, era para ser romântica e divertida, na linha do sucesso Lobo bôbo, o publico riu e aplaudiu”“. Depois, surpresa: o paulista Caetano Zama apresentou um ousado "samba concreto”, em parceria com Roberto Freire, experimentalismo paulistano que já pretendia ir além da Bossa Nova, que mal estava começando. O menino e a rosa era um jogo de palavras e repetições em uns poucos acordes de violão e o publico não entendeu, mas aplaudiu.

João Gilberto não tinha nada a ver com tudo isso. João foi a grande estrela da noite, fechando o show. Abriu com os hits de seu novo disco, Samba de uma nota só, e O pato, depois cantou Brigas nunca mais em dueto com sua mulher Astrud e fechou com Meditação, diante da platéia hipnotizada pela qualidade e novidade das músicas e pelo ritmo e a harmonia em perfeita sincronia com sua voz e seu violão. Como o amor, o sorriso e a flor da canção, o show de João terminou depressa demais.

Nesta noite inesquecível, além da presença suave e carismática de João, impressionaram a beleza e gostosura de Norma e o charme carioca de Ronaldo e Nara. Nesta noite teve o poeta Vinícius de Morais e as vozes do quarteto Os Cariocas, com suas harmonizações dissonantes inspiradas nos grandes conjuntos vocais americanos, o espantoso estilo serpenteante de Johnny Alf, um negro de voz rouca e fraseada jazzistico. Tudo num ambiente jovem e animado, a sensação de estar testemunhando o nascimento de alguma coisa grande e bonita.

Durante todo o show muitos ficaram fascinados com os músicos do conjunto, Luiz Carlos Vinhas no piano, Roberto Menescal com uma incrível guitarra elétrica vermelha, o baterista Helcio Milito e suas tambas, Bebeto no sax e Luiz Paulo no contrabaixo, um ritmo sensacional, umas sonoridades diferentes, uns acordes estranhos, umas músicas maravilhosas.

Nesse segundo LP de João Gilberto, O AMOR, O SORRISO E A FLOR, tinham as músicas Samba de Uma nota só, Doralice, de Dorival Caymmi, Só em teus braços, do Tom, Trevo de quatro folhas, Se é tarde me perdoa, de Carlos Lyra e Ronaldo Boscoli, Um abraço no Bonfá, do próprio João, Meditação, O pato, Corcovado, Discussão, do Tom e do Newton Mendonça, Amor Certinho, do Roberto Guimarães e mais uma versão de Outra Vez.

No mesmo ano Tom Jobim e Vinícius de Moraes fizeram a SINFONIA DA ALVORADA, a pedido do presidente Juscelino. Foi encomendada por Juscelino desde fevereiro de 1958, mas o trabalho da dupla foi adiado por causa de protestos contra a construção de Brasília, originados principalmente nas áreas de oposição ao governo.

Mais tarde, Juscelino reiterou o convite através do arquiteto Oscar Niemeyer, que transmitiu ao Vinícius a vontade do presidente de ter a Sinfonia antes de 21 de abril de 1960, dia marcado para a mudança da capital.

A convite de Juscelino, Tom e Vinícius passaram uma temporada em Brasília, para conhecer o local onde a cidade estava sendo construída.

Mas, Brasília foi inaugurada sem a Sinfonia, e um espetáculo de luz e som planejado para 7 de Setembro de 1960, quando a Sinfonia seria finalmente apresentada, também não aconteceu, por causa dos altos custos apresentados pela empresa francesa Clemancón, que proveria o equipamento e a tecnologia para o evento.

A Sinfonia da Alvorada foi apresentada em primeira audição em 1966, na TV Excelsior de São Paulo. Uma segunda apresentação deu-se na Praça dos Três Poderes em Brasília em 1986, com regência de Alceu Bocchino e Radamés Gnatalli ao piano. O texto de Vinícius foi falado por sua filha Susana de Moraes e por Tom Jobim.

A Sinfonia é dividida em cinco partes:

I. O Planalto Deserto

II. O Homem

III. A Chegada dos Candangos

IV. O Trabalho e a Construção

V. Coral.

Em 1961, Tom Jobim compôs a trilha sonora para o filme Porto das Caxias, de Paulo César Sarracena. No filme têm a rara Valsa do Porto das Caxias e Derradeira Primavera, esta última em versão instrumental com uma orquestra tocada por uma banda de circo.

Também em 1961, a cantora Maysa lança o sensacional disco BARQUINHO, as músicas do disco são: a então novíssima O barquinho, Você e eu, Dois meninos, uma música rara de Roberto Menescal e Ronaldo Boscoli, Recado à solidão, de Chico Feitosa, Depois do amor, de Normando e do Ronaldo Boscoli, Só você, de Paulo Soledade, a biográfica Maysa, de Luís Eça e Ronaldo Boscoli, Errinho à toa, Lágrima primeira, essas duas também da dupla, Roberto e Ronaldo, Eu e meu coração, de Antônio Botelho, Cala meu amor, uma música rara da parceria de Tom com Vinícius e Melancolia, também de Luís Eça e Ronaldo Boscoli.

Enquanto a Bossa Nova era muito criticada no Rio, onde ela nasceu, em São Paulo, a Bossa Nova foi muito bem recebida, vários artistas apareciam na televisão e as músicas tocavam a exaustão no rádio.

De São Paulo, que já acolhera os exilados cariocas Johnny Alf, Claudette Soares e Alaíde Costa lastrearam uma filial do movimento com trios instrumentais como o Zimbo, Sambalanço (de onde sairiam Cesar Camargo Mariano e Airto Moreira), Jongo, Bossa Jazz, Manfredo Fest (pianista que acabaria radicado nos EUA), o cantor Agostinho dos Santos, as cantoras Maysa, Elsa Laranjeira e Ana Lúcia, a compositora Vera Brasil (Tema do Boneco de Palha), o violonista Paulinho Nogueira, os compositores Walter Santos e Geraldo Vandré (que lançaria o protesto Menino das Laranjas do futuro parceiro Théo de Barros) e o organista Walter Wanderley entre outros.

Nessa época alguns jovens inspirados, especialmente em João Gilberto, Carlos Lyra e Roberto Menescal, resolvem começar a cantar: como a paulista Wanda Sá e o compositor Marcos Valle.

Também em 1961, João Gilberto lança seu terceiro disco, com seu próprio nome. No disco JOÃO GILBERTO tinha as músicas: a sensacional Samba da minha terra, de Dorival Caymmi, uma interpretação maravilhosa de O barquinho, do Roberto Menescal e Ronaldo Boscoli, Bolinha de papel, de Geraldo Pereira, Saudade da Bahia, também de Caymmi, A primeira vez, de Marçal e Bide, Amor em Paz, do Tom e do Vinícius, Você e eu, de Carlos Lyra e Vinícius de Moraes, Trem de Ferro, de Lauro Maia, Coisa mais linda, também do Carlos Lyra e do Vinícius, Presente de natal, de Nelcy Noronha, Insensatez, do Tom e do Vinícius e Este seu olhar, só do Tom. Logo, a música O barquinho do Menescal e do Ronaldo Boscoli, vira um grande clássico e uma das músicas que melhor representa o espírito da Bossa Nova, que é de amor, praia, sol e verão. Ronaldo Boscoli e Roberto Menescal depois fariam mais músicas maravilhosas como, por exemplo: Você, Rio e Nós e o mar.


Em 1962, Tom Jobim e Vinícius de Moraes, sempre que podem, vão ao bar do Veloso em Ipanema para tomar um chope. Entre uma bebida e outra passa a bela Heloísa Eneida Meneses Paes Pinto, que mora na esquina da Rua Prudente de Moraes com a Montenegro - que muitos anos depois passaria a se chamar Rua Vinícius de Moraes -, em pleno coração de Ipanema. Nessa esquina também fica o bar Veloso, a essa altura uma espécie de escritório do Vinícius.

Helô, sempre que pode vestida de normalista (escola normal), gasta as tardes quentes de verão na praia. Vinícius e Tom se acostumam a vê-la passar - e se encantam. Dizem gracinhas, assobiam, dizem bobagens, como qualquer paquerador padrão. Mas - eis a grande diferença - sabem transformar aquele encanto em arte. Algumas vezes, quando Helô passa em direção à praia, Vinícius, ao invés de dizer bobagens, emudece. Um dia, numa introspeção mais empolada e abstrata, tenta defini-la para Tom: "Você notou que quando ela passa o ar fica mais volátil? Eu acho que nem os egípcios, nem o próprio Einsten saberiam explicar por que". Ali mesmo, na varanda do bar, entre uma piadinha boba e outra, compõem o que depois viraria o maior clássico da Bossa Nova: Garota de Ipanema.

Em agosto de 1962, no restaurante Au Boné Gourmet, Avenida Nossa Senhora de Copacabana, Rio, acontece o show O Grande Encontro: com Tom, Vinícius, João Gilberto, e os Cariocas. No baixo, Otávio Bailly, e na bateria, Milton Banana. Foi a primeira e única vez que Tom, Vinícius e João Gilberto cantaram juntos. Nesse show estréiam algumas músicas que fariam grande sucesso como Samba do Avião, do Tom, Só danço Samba e Garota de Ipanema, do Tom e do Vinícius.

Quando vão cantar Garota de Ipanema, o Tom fala:

"Eu e o Vinícius acabamos de compor um negócio aqui, que acho que vocês vão gostar".

A música tinha acabado de sair do forno e nem eles sabiam cantar direito, tanto que os três estavam com um papel com a letra da música.

Nessa primeira vez que foi mostrada ao público, Garota de Ipanema ganhou uma introdução feita especialmente para a ocasião:

João: "Tom e esse você fizesse agora uma canção, que possa nos dizer, contar o que é o amor?"

Tom: "Olha Joãozinho, eu não saberia, sem Vinícius para fazer a poesia"

Vinícius: "Para essa canção realizar, quem dera o João para cantar"

João: “Ah, mas quem sou eu? Eu sou mais vocês. Melhor se nós cantássemos os três”.

Os três: “Olha que coisa mais linda mais cheia de graça.."

O interessante que essa gravação foi roubada pelo cantor Pery Ribeiro, que gravou uma fita com os três cantando e pegou a música para ele, tanto que ele foi o primeiro a gravar Garota de Ipanema.

Todas as músicas desse show histórico foram: Só danço samba, com Os Cariocas, Samba de uma nota só, com Tom Jobim e Os Cariocas, Corcovado, com João Gilberto e Os Cariocas, Samba da benção, com Vinícius de Moraes, Amor em paz, com João Gilberto e Os Cariocas, Bossa Nova e Bossa Velha, do Miguel Gustavo, com Os Cariocas, Samba do avião, com Tom Jobim e Os Cariocas, O astronauta, com Vinícius de Moraes e Os Cariocas, Samba da minha terra, com João Gilberto, Insensatez, com João Gilberto, Garota de Ipanema, com João Gilberto, Tom Jobim e Vinícius de Moraes, acompanhada com Devagar com a louça, de Haroldo Barbosa, com Os Cariocas, Só danço samba, com João Gilberto e Os Cariocas, e no final um pout-pourri com Garota de Ipanema, Só danço samba e Se todos fossem iguais a você, com Tom Jobim, João Gilberto, Vinícius de Moraes e Os Cariocas.

Logo a Garota de Ipanema seria um tremendo sucesso, mas ainda Helô não sabe que é a musa inspiradora da música.

Pouco depois, Helô se encontra com o Tom na praia. Tom é um rapaz bonitão a quem, a essa altura, o sucesso já livrou de qualquer resquício de timidez. Ele se aproxima de Helô e, sem medir as palavras, diz: "Tenho uma paixão platônica por você. Você não quer casar comigo?”. A moça se espanta, mas não perde a pose. "Você está brincando", diz. "Você é um homem casado e eu ainda sou virgem”. Tom de fato, está casado com Teresa Hermanny. Freqüentadores do Veloso já tentaram convencê-la, sem sucesso, de que Garota de Ipanema foi feita em sua homenagem. Tom se aproveita: "Mas você não gostou da música?". Helô continua impassível: "Isso são coisas que vocês espalham por aí. A música não tem o meu nome. Você está louco". Tom Jobim vendo que perde o controle sobre uma situação que lhe parecia fácil, se exalta: "Mas eu juro, ela foi feita pra você. Fui eu quem fez e sou eu quem está dizendo!". Helô vira as costas, não sem antes enfatizar: "Isso é uma boa duma mentira. Eu não acredito".

Na mesma época, Ronaldo Boscoli é encarregado de fazer uma reportagem de capa para a revista Fatos & Fotos, revelando a verdadeira identidade da Garota de Ipanema. Vinícius e Tom se aborrecem. Acham que é cedo demais para a revelação. E que, no momento adequado, a tarefa deveria caber a eles. A reportagem é publicada. O poeta chega a procurar Ronaldo para reclamar: "Como é que você divulga na nossa frente?" Ronaldo lhe responde o óbvio: "Eu fui mais esperto" Vinícius não tem como contestá-lo.

Um dia, Boscoli, mais afoito e mais galanteador, decide abordar Helô na rua. Garota de Ipanema já toca no rádio, mas ela ainda não consegue acreditar que seja, realmente, sua musa inspiradora. Boscoli lhe dá a notícia. É amigo íntimo de Tom e Vinícius, não pode estar mentindo. Ela agora é obrigada a acreditar. Sua vida, desde então, muda. Torna-se o paradigma internacional da mulher carioca. Por meio dela, Ipanema se projeta, em definitivo, no exterior. Transforma-se, numa palavra mágica aos ouvidos dos estrangeiros. Quase um sinônimo, moderno, de Brasil.

Helô, na verdade, é uma moça comum. Aos quinze anos, começa a namorar firme o estudante de engenharia metalúrgica Fernando Abel Mendes Pinheiro, que depois será seu marido. Torna-se, então, Helô Pinheiro.

Em 1965, o poeta Vinícius de Moraes fala:

"Revelação: a verdadeira Garota de Ipanema."

"Seu nome é Heloísa Eneida Menezes Paes Pinto,
mas todos a chamam de Helô. Há três anos atrás
ela passava, ali no cruzamento de Montenegro e
Prudente de Morais, em demanda da praia, e nós
a achávamos demais. Do nosso posto de observação,
no Veloso, enxugando a nossa cervejinha,
Tom e eu emudecíamos à sua vinda maravilhosa.
O ar ficava mais volátil como para facilitar-lhe o divino
balanço do andar. E lá ia ela toda linda, a garota
de Ipanema, desenvolvendo no percurso a geometria
espacial do seu balanceio quase samba, e cuja fórmula
teria escapado ao próprio Einstein; seria preciso
um Antônio Carlos Jobim para pedir ao piano, em grande
e religiosa intimidade, a revelação do seu segredo.
Para ela fizemos, com todo o respeito e mudo encantamento, o samba que a colocou nas manchetes do mundo inteiro e fez de nossa querida Ipanema uma palavra mágica para os ouvintes estrangeiros. Ela foi e é para nós
o paradigma do bruto carioca; a moça dourada,
misto de flor e sereia, cheia de luz e de graça
mas cuja a visão é também triste,
pois carrega consigo, a caminho do mar, o sentimento da
que passa, da beleza que não é só nossa
- é um dom da vida em seu lindo e melancólico
fluir e refluir constante

No mesmo ano, durante um show de Tom e Vinícius no Clube Leblon, o poeta, ao notar a presença de Helô na platéia, fala ao microfone: "Vamos tocar Garota de Ipanema, mas não vamos encostar-se a ela, porque o namorado está aí e ele é um tremendo de um armário". Helô se casa no ano seguinte. Tom e Vinícius recebem os convites para a cerimônia. O poeta está em Cannes e, sem qualquer constrangimento, despacha um telegrama dizendo: "Estarei mais algum tempo na França. Sugiro adiamento do casamento”. Tom aceita o convite para ser o padrinho.

Helô Pinheiro nunca mais deixará de ser a Garota de Ipanema. Torna-se garota-propaganda, participa como atriz - de talento duvidoso - em novelas da TV Globo e da TV Bandeirantes, transforma-se em apresentadora de programa de variedades.

Em 1987, ela posa nua para a revista Playboy, e o Tom escreve o texto que diz assim:

Heloísa minha brisa
minha eterna inspiração
Quando vejo Helô Pinheiro
tomo logo a extrema-unção.
Vou correndo pro banheiro
vou botar o meu calção
e lá ajoelho e rezo
tomo leite com farelo
pra baixar a hipertensão.

Vou ungir minha cabeça
neste improvisado templo
Maria! Meu saco de gelo!
Minha pipa, meu barbante
meu papel fino avoante
quero escrever A Canção!
É canção pro mundo inteiro
vai render muito dinheiro
é canção universal
que canta a Helô Pinheiro

Casamos no carnaval.
Maria! A roupa de cama!
Troque o lençol, quero fronha
do mais branco puro linho
mande comprar a PLAYBOY
e uma garrafa de vinho
PLAYBOY é que é revista!
É nudez inteligente
Ainda mais com Heloísa
faz bem à alma da gente.

Oh, minha eterna Heloísa
sou teu constante Abelardo
tu és a musa perfeita
e eu teu constante bardo.
Venha depressa Heloisinha
quem te chama é Tom Jobim
te espero na mesma esquina
já comprei o amendoim...

Os shows de Bossa Nova começaram no âmbito universitário (foi o primeiro movimento musical brasileiro a sair das faculdades) e agregaram inúmeros outros inovadores. Com isso surgiram nomes como Durval Ferreira (Sambop, Batida Diferente) à precursora Silvia Telles, Leny Andrade, Wilson Simonal, Baden Powell, que mudaria a Bossa Nova incorporando ritmos africanos e as primeiras formações instrumentais da nova tendência lideradas por gente como Oscar Castro Neves (e seus irmãos músicos), Sérgio Mendes, Luis Carlos Vinhas, J.T. Meirelles, além do instrumental/vocal Tamba Trio (Luis Eça, Bebeto, Hélcio Milito) que ao lado do Bossa 3 (Vinhas, Tião Netto, Edison Machado) daria início a uma febre de conjuntos de piano, baixo e bateria. Foi um momento de efervescência instrumental com o aparecimento de músicos novos como Paulo Moura, Tenório Júnior, Dom Um Romão, Milton Banana, Edson Maciel, Raul de Souza e a ascensão de maestros e arranjadores como Eumir Deodato e Moacir Santos.

O movimento concentraria novas forças em pocket shows nos minúsculos bares do chamado Beco das Garrafas (nomeado a partir dos projéteis atirados pelos vizinhos contra o barulho) em Copacabana. Nessa época o compositor Marcos Valle ao lado do irmão Paulo Sérgio compõe a clássica Samba de Verão, outra música que representa bem o espírito da Bossa Nova.

Também em 1962, Vinícius de Moraes começa a compor com o violonista Baden Powell. O novo parceiro o põe em contato com os ritmos baianos, a influência africana e os ritmos baianos, a influência africana e os ritos do candomblé. Surgiram músicas como Berimbau e o Canto de Ossanha. Baden defronta o poeta com uma cultura mais primitiva, um universo encantado em tudo diferente daquela cultura de classe média em que a Bossa Nova floresceu. A parceria é inaugurada com quatro sambas, feitos por encomenda da cantora Angela Maria. O mais famoso deles é o Samba da Benção.

Certa vez atravessam a madrugada compondo um samba. Ao amanhecer, diante de três garrafas de uísque vazias e da partitura pronta do Samba em Prelúdio, Baden diz constrangido: "Não sei, não, parceiro, mas acho que plagiamos Chopin". Para resolver a dúvida, o poeta decide acordar a sua mulher Nelita, que dorme no quarto ao lado. Convicta, afirma: "Não, não é Chopin". Volta a dormir. Vinícius, visivelmente aliviado, retorna à sala e anuncia ao parceiro: "Não, não é dele. Mas se ele não compôs, é porque esqueceu de fazer".

Em 1963, o produtor Aloisio Oliveira funda a gravadora Elenco, que conhecia todos os principais personagens da bossa nova e já havia trabalhado nas gravadoras Odeon e Philips. O conceito gráfico das capas, desenvolvido pelo designer Cesar Villela com o fotógrafo Chico Pereira, foi algo totalmente inovador para a época e gerou inúmeros imitadores, além de ter sido uma estética que ficou profundamente ligada à bossa nova.

No mesmo ano, Marcos Valle lança seu primeiro disco: o espetacular SAMBA DEMAIS. As músicas desse disco são: Vivo sonhando, do Tom, Amor de nada, dele, com seu irmão Paulo Sérgio Valle, Moça flor, do Lula Freire e Durval Ferreira, Canção pequenina, do Pingarrillo, Razão do amor, Tudo de você, Sonho de Maria, as três do Marcos, com seu irmão, Ela é carioca, Ilusão a toa, de Johnny Alf, Ainda mais lindo, E vem o sol, as duas do Marcos, com seu irmão e A morte de um deus do sal, rara música de Roberto Menescal e Ronaldo Boscoli.


OLIVEIRA, Aloísio. Livreto que está no encarte do disco Bossa Nova sua história sua gente, 1975.

CASTRO, Ruy. Chega de saudade – A história e as histórias da Bossa Nova; Companhia das letras, 1990.

CABRAL, Sérgio. Antonio Carlos Jobim – Uma biografial; Lumiar, 1997.

MOTTA, Nelson. Noites tropicais; Objetiva, 2000.

CASTELLO, José. Vinícius de Moraes - O poeta da paixão; Companhia das letras, 1994.

JOBIM, Helena, Antonio Carlos Jobim – Um homem iluminado; Nova Fronteira, 1996.

LYRA, Carlos. Entrevista dada a Luiz Carlos Oliveira, disponível no site www.jobim.com.br, acessado em 2002.

OLIVEIRA, Luiz Carlos. Crônica publicada na revista anual da APAE, em 2000, disponível no site www.jobim.com.br, acessado em 2002.

Encarte do disco Chega de saudade, disponível no site www.jobim.com.br, acessado em 2002.

Faixas de discos tiradas do site www.cliquemusic.com.br

Faixas de discos tiradas do site www.jobim.com.br

Filme Coisa mais linda, de Paulo Thiago, 2005.


quarta-feira, 19 de setembro de 2007

1 - OS PRECURSORES

A música popular brasileira sempre passou por fases de evolução, no final da década de 20, no princípio do rádio, já começou a definir certos caminhos que seriam marcantes na MPB.

Nesse tempo, a vitrola e o disco iniciavam uma incrementação em suas vendas e assim o rádio e o disco, começavam a comandar os destinos da nossa música popular.

Uma avalanche de novos talentos despontou proveniente de várias camadas sociais, como o cantor Mário Reis que com sua voz pequena tenha lançado uma "bossa nova" naquela época. Também tinha compositores como Noel Rosa, que na sua música Coisas Nossas aparece pela primeira vez a palavra bossa, que dizia: "O Samba, a prontidão e outras bossas, são coisas nossas". Essa palavra bossa significava penhor, uma coisa boa, de um grande valor.

No final da década de 30, apareceu Ary Barroso e Dorival Caymmi, dois compositores que pela primeira vez levaram a música brasileira ao exterior, na voz de Carmem Miranda. Ary Barroso e Dorival Caymmi caminhavam para frente com novas harmonias e novos estilos na composição de melodias.

Com o fim da 2º Guerra Mundial, a música mundial passou por um período de muita melancolia, com isso surgiu o Bolero, que influenciou muito o Samba Canção, que foi um estilo que vigorou no Brasil da década de 40 até o fim da década de 50, o Samba Canção era um samba mais lento e mais melancólico, que só falava de desencontros e desilusões amorosas. O Samba Canção foi marcado por cantores de voz muito grossa como Cauby Peixoto, Nelson Gonçalves, Altemar Dutra, Agnaldo Timóteo, Angela Maria, entre outros.

No início dos anos 50, o Samba Canção estava um marasmo, alguma coisa diferente tinha que surgir e surgiu. Vários nomes da música brasileira da época começavam a procurar um novo caminho.

Um deles foi o maestro Radamés Gnatalli, um exímio pianista e arranjador. Ele criou na orquestração, um estilo inteiramente novo, adaptando para os saxofones e metais as batidas do ritmo do Samba, ele fez os arranjos originais de músicas como Copacabana, Carinhoso e Aquarela do Brasil, ao mesmo tempo surgiu o pianista e compositor Garoto que seria muito influenciado por Radamés, especialmente na música Gente Humilde, que anos mais tarde ganharia letra de Chico Buarque e Vinícius de Moraes.

Outro nome importante da época foi o cantor de Samba Canção Dick Farney. Ele viajou aos EUA no final dos anos 40, de lá trouxe o Jazz, que seria a maior influência da Bossa Nova. Em 1953, já de volta ao Brasil, Dick Farney, mistura em suas canções, Samba Canção com Jazz, influenciado especialmente por Frank Sinatra, Cole Porter, Bing Corsby e Gerswhin, em músicas como Copacabana, Alguém como Tu, Valsa de uma Cidade, Marina, etc. Nessa mesma época ele conhece um pianista carioca, radicado em São Paulo, chamado Johnny Alf, que tinha umas melodias bem modernas para a época.

Johnny Alf ao lado de outros fãs acaba fundando o fã clube Sinatra e Farney, do Frank Sinatra e do Dick Farney. Nesse clube apareceram nomes como as cantoras Dolores Duran, Doris Monteiro e Silvia Telles e compositores novos como Luís Bonfá, João Donato e Billy Blanco, que seriam bastante influenciados pelos acordes de Johnny Alf e a música de Dick Farney.

Em 1954, surge o disco SINFONIA DO RIO DE JANEIRO, que tinha músicas de dois compositores desconhecidos até então: Tom Jobim e Billy Blanco, esse disco foi arranjado pelo mestre Radamés Gnatalli, tinha cantores modernos como Dick Farney, Lúcio Alves, Elizeth Cardoso, Dorís Monteiro e o grupo Os Cariocas, entre outros. As músicas desse disco maravilhoso são: Abertura, com Dick Farney, Hino ao sol, também com Dick Farney, Coisas do dia, com Os Cariocas, Matei-me no trabalho, com Gilberto Milfont, Zona Sul, com Elizeth Cardoso, Arpoador, com Lúcio Alves, Noites do Rio, com Dóris Monteiro e Os cariocas, O mar, com Elizeth Cardoso e Dick Farney, A montanha, com Emilinha Borba, O morro, com Nora Ney, Descendo o morro, com Jorge Goulart e O samba de amanhã, com Dick Farney. Esse disco nasceu quando Billy Blanco, num ônibus, viu martelar em sua cabeça o tema “Rio de Janeiro, que eu sempre hei de amar, Rio de Janeiro, a montanha, o sol, o mar”. Desceu e, incontinenti, telefonou ao Tom para que anotasse a melodia, que poderia esquecer, propondo também que fizessem uma sinfonia sobre o tema, depois de algum tempo finalizada em 11 movimentos. “Uma síntese da vida do Rio”, sem dúvida uma das maiores obras já feita em louvor da terra carioca.

No mesmo ano, Dick Farney e Lúcio Alves, que segundo a imprensa da época se odiavam, gravaram junto o clássico Tereza da Praia, também de Tom Jobim e Billy Blanco.

Tom Jobim foi aluno do dodecafonista alemão Koellreuter, estudou harmonia e composição com o compositor e regente Paulo Silva e com o pianista Tomás Gutiérres de Téran. Como exercício, compunha valsas, mazurcas e prelúdios, que batizou de “prelúdios gasta papel”.

Mas seria estudando piano com a célebre professora Dona Lúcia Branco que Tom aprofundaria seus estudos dos clássicos, especialmente no maestro Heitor Villa-Lobos, de quem era fã, com isso virou arranjador da rádio Nacional, lá em 1953 conheceu o maestro Radamés Gnatalli, que seria seu amigo até a morte de Radamés em 1986.

Em 1955, Johnny Alf faz uma música que ficaria para sempre: Rapaz de Bem, uma mistura de Samba e Jazz, que muitos hoje consideram o marco zero da Bossa Nova.

No início dos anos 50, aparece o então tocador de acordeão João Donato, inspirado no acordeonista americano Ernie Felicce. O primeiro grupo que integrou chamava-se Os Modernistas, do qual ele era o arranjador. Muitos shows acabaram não acontecendo por causa de seus súbitos desaparecimentos. Como ele era o líder do grupo, sem a presença do acordeão os shows e bailes tinham de ser cancelados. Começava aí sua fama de indisciplinado. O grupo não teve vida longa. Mais tarde funda um outro grupo, com quase a mesma formação. Com o nome de Os Namorados, gravou em 1953 uma nova versão para Eu Quero um Samba, sucesso na voz de Lúcio Alves. Devido ao arranjo de Donato, a nova versão conseguiu ficar ainda melhor do que a original. Foi o seu primeiro cartão de visitas. Neste novo registro, os baixos de seu acordeão quebravam o ritmo com uma avalanche de síncopes, produzindo uma batida de efeito desconcertante. Era tão "moderno" que na época ninguém entendeu nada. E eles não emplacaram de novo.

Só a partir de 1954 começou a ter empregos mais ou menos fixos. Tocou na Cantina do César junto com Johny Alf. A casa começou a ser freqüentada por um público fiel interessado em jazz. O modesto prestígio entre os fregueses da cantina fez com que fosse convidado, em 1957, para tocar na boate do Hotel Plaza. Quando Donato chega, ele se torna o responsável por fazer do local um reduto de músicos. Tocava-se de tudo na boate do Plaza, de jazz ao baião. Só que Donato transfigurava o baião a tal ponto que, se Luiz Gonzaga entrasse lá por acaso, não seria capaz de reconhecer o ritmo que ajudou a criar. Nessa época, veio da Bahia um outro João, que mudaria a história da música brasileira e se tornaria amigo de João Donato: João Gilberto. Quando conheceu pessoalmente João Gilberto, no início dos anos 50, Donato era um músico mais evoluído e já possuía a fama de excêntrico. Tornaram-se amigos inseparáveis, já que as afinidades não ficavam apenas no plano musical; tinham também o mesmo comportamento imprevisível e anti-social. Juntos, faziam visitas periódicas ao Instituto Pinel, em Botafogo, só para observarem os loucos. Sabe-se lá por que faziam programas do tipo, mas a verdade é que por estarem sempre juntos acabaram acentuando suas esquisitices e, mais importante, suas experiências musicais. Pode-se dizer que o encontro dos dois Joões foi de extrema importância para os rumos que a música brasileira tomaria nos anos subseqüentes.

Em 1955, a cantora Silvia Telles, gravou um disco de 78 rotações, de um lado tinha Foi a Noite, do Tom Jobim e Newton Mendonça e do outro lado tinha a música Menina, de Carlos Lyra. Na época, o produtor do disco Aloisio Oliveira queria colocar o ritmo do disco, mas não teve condições, porque era uma coisa nova e ninguém sabia o que era. Na mesma noite o João Gilberto ligou para o Carlos Lyra e disse: "Tem uma pessoa aqui que quer falar com você” e passou o telefone para o outro: "Alô, Carlinhos, aqui é o Tom Jobim, eu sou o outro lado do disco”.


Em 1956, um outro encontro mudaria a história da música brasileira e mundial. O poeta Vinícius de Moraes estava procurando alguém para ser parceiro nas músicas da sua peça de teatro Orfeu da Conceição, baseada no mito grego Orfeu numa adaptação da história para os morros cariocas.

Primeiramente, o Vinícius procurou o compositor Vadico, ex-parceiro de Noel Rosa, mas alegando problemas de saúde Vadico não aceitou. Sabendo que procurava um parceiro para a parte musical, os amigos comuns Lúcio Rangel e Haroldo Barbosa sugeriram ao Vinícius o nome de Antônio Carlos Jobim (Tom e Vinícius já se conheciam desde 1953, no Clube da Chave, mas não eram íntimos). O amigo Paulo Soledade também já lhe falara a respeito do rapaz. Um dia, nos estúdios da gravadora Continental, o poeta lhe diz: "Paulinho, estou precisando de um maestro, que me ajude numas músicas que vou fazer. Você tem algum?". Paulinho Soledade responde de pronto: "Tom Jobim", e daí se contêm um pouco, mas prossegue: "Tem um problema: ele é moderno. Bebe bonito, conhece poesia e passa a madrugada lendo Carlos Drummond de Andrade. Pode ser perigoso...". Vinícius, feliz, não o deixa prosseguir: "Mas é um sujeito exatamente assim que eu quero!”.

Lúcio Rangel apadrinhou um encontro dos dois no Villarino, famoso bar no centro do Rio, freqüentado por artistas e intelectuais. Vinícius expôs ao Tom seu projeto, e convidou-o para fazer a música. Tom, por volta dos 29 anos, no início de uma suada carreira, tocando piano na noite para "defender o dinheiro do aluguel", como ele mesmo contava mais tarde, lançou a Vinícius a pergunta famosa: "Tem um dinheirinho nisso?". O Vinícius riu e o Lúcio Rangel escandalizado falou: “Isso é coisa pra falar com o poeta? Dinheirinho nisso? Esse é o Vinícius de Moraes.” E o Tom falou: “Ah bom!”. Logo depois, Tom Jobim já pode se mudar para seu famoso endereço na Rua Nascimento Silva, 107.

Orfeu da Conceição estreou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em 25 de Setembro de 1956, e lá ficou em cartaz durante uma semana. Quem era o Orfeu e por conseqüência o cantor era Haroldo Costa, que tinha uma voz maravlhosa.

Tom escreveu os arranjos para a orquestra, que na peça foi regida por Leo Peracchi. No violão, Luiz Bonfá e Tom ao piano.

No lado 1 do disco tinha Overture, uma orquestra sob regência do Tom, maravilhosa por sinal, e o Monólogo de Orfeu dito por Vinícius de Moraes com Luís Bonfá no violão.

No lado 2 tinha os sambas: Um nome de mulher, Mulher sempre mulher, Eu e o meu amor, Lamento no morro e a música que se tornaria clássica: Se todos fossem iguais a você.

Pelos idos de 1955, o compositor moderno Carlos Lyra, que tinha um topete que parecia ter sido projetado por Oscar Niemeyer, dava aulas de violão a vários jovens, como Luiz Roberto Oliveira, no meio de uma delas apareceu um amigo dele de terno e gravata preta, que logo sentou à mesa sem cerimônia. O papo era dos dois, e Carlos Lyra se esqueceu da aula. A conversa ia animada, e o visitante dizia que ia participar de uma gravação da Maysa, tocando violão na orquestra. E tocou no violão um trechinho do acompanhamento do Samba Canção Ouça. Quando este homem saiu, Carlos Lyra falou: "Fique de olho nesse baiano, que ele ainda vai dar o que falar. O nome dele é João Gilberto".

Na mesma época, o capixaba Roberto Menescal que estudava o colegial no Colégio Mello e Souza, em Copacabana, já freqüentava umas festinhas com o violão a tiracolo, e era o ai-Jesus das moças do pedaço. Na sala de lado, distribuindo timidez e sorrisos, e com os joelhos que Deus lhe deu, a também capixaba Nara Leão - que gostava de receber no apartamento dos pais os jovens compositores, em reuniões onde cada um mostrava suas últimas músicas.

Menescal resolveu mudar de colégio e foi para o Mallet Soares, a poucas quadras de distância e com ensino pior. Mas um motivo maior do que passar de ano sem muito esforço era o fato de poder estar próximo de Carlos Lyra, que ali estudava.

Menescal contou que um dia estava tendo uma festa no apartamento dos pais dele, era uma festa chique, bodas de prata dos pais dele, todo mundo de smoking, de terno, gravata e o Menescal estava na porta recebendo os convidados, eis que de repente chega um cara sem terno e presente e fala: “Você tem um violão aí?” E o Menescal respondeu: “Tenho, mas só que tá tendo uma festa aqui e eu estou recebendo os convidados”, aí o cara falou: “É mesmo, tá cheio aqui, tem algum cantinho aí pra gente ir tocar violão?” E o Menescal respondeu: “Tem meu quarto, mas quem é você?” e aí foram pra lá e o cara começa a tocar e cantar Bim Bom, e o Menescal falou: “Você é o João Gilberto?” E ele respondeu: “Sou”. Então o Menescal pegou o João pelo braço, saíram da festa e ele foi mostrar o João a todo mundo e só voltou depois de três dias.

No apartamento da Nara Leão, sempre estavam seu noivo Ronaldo Boscoli, Carlos Lyra, Roberto Menescal e João Gilberto, este último, morava de favor no apartamento do Ronaldo Boscoli, pois não tinha lugar para ficar.

Nesse ambiente de mar, meninas e festinhas, como se movidos por uma força única, que cada um deles começou a tentar tocar o Samba de uma maneira diferente. Alguma coisa nova estava prestes a aparecer.


Nesse cápitulo foram utilizadas passagens de:

OLIVEIRA, Aloísio. Livreto que está no encarte do disco Bossa Nova sua história sua gente, 1975.

CASTRO, Ruy. Chega de saudade – A história e as histórias da Bossa Nova; Companhia das letras, 1990.

CABRAL, Sérgio. Antonio Carlos Jobim – Uma biografia; Lumiar, 1997.

JOBIM, Antônio Carlos. Cancioneiro Jobim – Obras escolhidas. Paulo Jobim, ed. Texto de Sérgio Augusto; Jobim Music/Casa da Palavra, 2000

LYRA, Carlos. Entrevista dada a Luiz Carlos Oliveira, disponível no site www.jobim.com.br, acessado em 2002.

OLIVEIRA, Luiz Carlos. Crônica publicada na revista anual da APAE, em 2000, disponível no site www.jobim.com.br, acessado em 2002.

Encarte do disco Meus primeiros passos e compassos, da gravadora Revivendo, 1997.

Filme Coisa mais linda, de Paulo Thiago, 2005.