quarta-feira, 19 de setembro de 2007

1 - OS PRECURSORES

A música popular brasileira sempre passou por fases de evolução, no final da década de 20, no princípio do rádio, já começou a definir certos caminhos que seriam marcantes na MPB.

Nesse tempo, a vitrola e o disco iniciavam uma incrementação em suas vendas e assim o rádio e o disco, começavam a comandar os destinos da nossa música popular.

Uma avalanche de novos talentos despontou proveniente de várias camadas sociais, como o cantor Mário Reis que com sua voz pequena tenha lançado uma "bossa nova" naquela época. Também tinha compositores como Noel Rosa, que na sua música Coisas Nossas aparece pela primeira vez a palavra bossa, que dizia: "O Samba, a prontidão e outras bossas, são coisas nossas". Essa palavra bossa significava penhor, uma coisa boa, de um grande valor.

No final da década de 30, apareceu Ary Barroso e Dorival Caymmi, dois compositores que pela primeira vez levaram a música brasileira ao exterior, na voz de Carmem Miranda. Ary Barroso e Dorival Caymmi caminhavam para frente com novas harmonias e novos estilos na composição de melodias.

Com o fim da 2º Guerra Mundial, a música mundial passou por um período de muita melancolia, com isso surgiu o Bolero, que influenciou muito o Samba Canção, que foi um estilo que vigorou no Brasil da década de 40 até o fim da década de 50, o Samba Canção era um samba mais lento e mais melancólico, que só falava de desencontros e desilusões amorosas. O Samba Canção foi marcado por cantores de voz muito grossa como Cauby Peixoto, Nelson Gonçalves, Altemar Dutra, Agnaldo Timóteo, Angela Maria, entre outros.

No início dos anos 50, o Samba Canção estava um marasmo, alguma coisa diferente tinha que surgir e surgiu. Vários nomes da música brasileira da época começavam a procurar um novo caminho.

Um deles foi o maestro Radamés Gnatalli, um exímio pianista e arranjador. Ele criou na orquestração, um estilo inteiramente novo, adaptando para os saxofones e metais as batidas do ritmo do Samba, ele fez os arranjos originais de músicas como Copacabana, Carinhoso e Aquarela do Brasil, ao mesmo tempo surgiu o pianista e compositor Garoto que seria muito influenciado por Radamés, especialmente na música Gente Humilde, que anos mais tarde ganharia letra de Chico Buarque e Vinícius de Moraes.

Outro nome importante da época foi o cantor de Samba Canção Dick Farney. Ele viajou aos EUA no final dos anos 40, de lá trouxe o Jazz, que seria a maior influência da Bossa Nova. Em 1953, já de volta ao Brasil, Dick Farney, mistura em suas canções, Samba Canção com Jazz, influenciado especialmente por Frank Sinatra, Cole Porter, Bing Corsby e Gerswhin, em músicas como Copacabana, Alguém como Tu, Valsa de uma Cidade, Marina, etc. Nessa mesma época ele conhece um pianista carioca, radicado em São Paulo, chamado Johnny Alf, que tinha umas melodias bem modernas para a época.

Johnny Alf ao lado de outros fãs acaba fundando o fã clube Sinatra e Farney, do Frank Sinatra e do Dick Farney. Nesse clube apareceram nomes como as cantoras Dolores Duran, Doris Monteiro e Silvia Telles e compositores novos como Luís Bonfá, João Donato e Billy Blanco, que seriam bastante influenciados pelos acordes de Johnny Alf e a música de Dick Farney.

Em 1954, surge o disco SINFONIA DO RIO DE JANEIRO, que tinha músicas de dois compositores desconhecidos até então: Tom Jobim e Billy Blanco, esse disco foi arranjado pelo mestre Radamés Gnatalli, tinha cantores modernos como Dick Farney, Lúcio Alves, Elizeth Cardoso, Dorís Monteiro e o grupo Os Cariocas, entre outros. As músicas desse disco maravilhoso são: Abertura, com Dick Farney, Hino ao sol, também com Dick Farney, Coisas do dia, com Os Cariocas, Matei-me no trabalho, com Gilberto Milfont, Zona Sul, com Elizeth Cardoso, Arpoador, com Lúcio Alves, Noites do Rio, com Dóris Monteiro e Os cariocas, O mar, com Elizeth Cardoso e Dick Farney, A montanha, com Emilinha Borba, O morro, com Nora Ney, Descendo o morro, com Jorge Goulart e O samba de amanhã, com Dick Farney. Esse disco nasceu quando Billy Blanco, num ônibus, viu martelar em sua cabeça o tema “Rio de Janeiro, que eu sempre hei de amar, Rio de Janeiro, a montanha, o sol, o mar”. Desceu e, incontinenti, telefonou ao Tom para que anotasse a melodia, que poderia esquecer, propondo também que fizessem uma sinfonia sobre o tema, depois de algum tempo finalizada em 11 movimentos. “Uma síntese da vida do Rio”, sem dúvida uma das maiores obras já feita em louvor da terra carioca.

No mesmo ano, Dick Farney e Lúcio Alves, que segundo a imprensa da época se odiavam, gravaram junto o clássico Tereza da Praia, também de Tom Jobim e Billy Blanco.

Tom Jobim foi aluno do dodecafonista alemão Koellreuter, estudou harmonia e composição com o compositor e regente Paulo Silva e com o pianista Tomás Gutiérres de Téran. Como exercício, compunha valsas, mazurcas e prelúdios, que batizou de “prelúdios gasta papel”.

Mas seria estudando piano com a célebre professora Dona Lúcia Branco que Tom aprofundaria seus estudos dos clássicos, especialmente no maestro Heitor Villa-Lobos, de quem era fã, com isso virou arranjador da rádio Nacional, lá em 1953 conheceu o maestro Radamés Gnatalli, que seria seu amigo até a morte de Radamés em 1986.

Em 1955, Johnny Alf faz uma música que ficaria para sempre: Rapaz de Bem, uma mistura de Samba e Jazz, que muitos hoje consideram o marco zero da Bossa Nova.

No início dos anos 50, aparece o então tocador de acordeão João Donato, inspirado no acordeonista americano Ernie Felicce. O primeiro grupo que integrou chamava-se Os Modernistas, do qual ele era o arranjador. Muitos shows acabaram não acontecendo por causa de seus súbitos desaparecimentos. Como ele era o líder do grupo, sem a presença do acordeão os shows e bailes tinham de ser cancelados. Começava aí sua fama de indisciplinado. O grupo não teve vida longa. Mais tarde funda um outro grupo, com quase a mesma formação. Com o nome de Os Namorados, gravou em 1953 uma nova versão para Eu Quero um Samba, sucesso na voz de Lúcio Alves. Devido ao arranjo de Donato, a nova versão conseguiu ficar ainda melhor do que a original. Foi o seu primeiro cartão de visitas. Neste novo registro, os baixos de seu acordeão quebravam o ritmo com uma avalanche de síncopes, produzindo uma batida de efeito desconcertante. Era tão "moderno" que na época ninguém entendeu nada. E eles não emplacaram de novo.

Só a partir de 1954 começou a ter empregos mais ou menos fixos. Tocou na Cantina do César junto com Johny Alf. A casa começou a ser freqüentada por um público fiel interessado em jazz. O modesto prestígio entre os fregueses da cantina fez com que fosse convidado, em 1957, para tocar na boate do Hotel Plaza. Quando Donato chega, ele se torna o responsável por fazer do local um reduto de músicos. Tocava-se de tudo na boate do Plaza, de jazz ao baião. Só que Donato transfigurava o baião a tal ponto que, se Luiz Gonzaga entrasse lá por acaso, não seria capaz de reconhecer o ritmo que ajudou a criar. Nessa época, veio da Bahia um outro João, que mudaria a história da música brasileira e se tornaria amigo de João Donato: João Gilberto. Quando conheceu pessoalmente João Gilberto, no início dos anos 50, Donato era um músico mais evoluído e já possuía a fama de excêntrico. Tornaram-se amigos inseparáveis, já que as afinidades não ficavam apenas no plano musical; tinham também o mesmo comportamento imprevisível e anti-social. Juntos, faziam visitas periódicas ao Instituto Pinel, em Botafogo, só para observarem os loucos. Sabe-se lá por que faziam programas do tipo, mas a verdade é que por estarem sempre juntos acabaram acentuando suas esquisitices e, mais importante, suas experiências musicais. Pode-se dizer que o encontro dos dois Joões foi de extrema importância para os rumos que a música brasileira tomaria nos anos subseqüentes.

Em 1955, a cantora Silvia Telles, gravou um disco de 78 rotações, de um lado tinha Foi a Noite, do Tom Jobim e Newton Mendonça e do outro lado tinha a música Menina, de Carlos Lyra. Na época, o produtor do disco Aloisio Oliveira queria colocar o ritmo do disco, mas não teve condições, porque era uma coisa nova e ninguém sabia o que era. Na mesma noite o João Gilberto ligou para o Carlos Lyra e disse: "Tem uma pessoa aqui que quer falar com você” e passou o telefone para o outro: "Alô, Carlinhos, aqui é o Tom Jobim, eu sou o outro lado do disco”.


Em 1956, um outro encontro mudaria a história da música brasileira e mundial. O poeta Vinícius de Moraes estava procurando alguém para ser parceiro nas músicas da sua peça de teatro Orfeu da Conceição, baseada no mito grego Orfeu numa adaptação da história para os morros cariocas.

Primeiramente, o Vinícius procurou o compositor Vadico, ex-parceiro de Noel Rosa, mas alegando problemas de saúde Vadico não aceitou. Sabendo que procurava um parceiro para a parte musical, os amigos comuns Lúcio Rangel e Haroldo Barbosa sugeriram ao Vinícius o nome de Antônio Carlos Jobim (Tom e Vinícius já se conheciam desde 1953, no Clube da Chave, mas não eram íntimos). O amigo Paulo Soledade também já lhe falara a respeito do rapaz. Um dia, nos estúdios da gravadora Continental, o poeta lhe diz: "Paulinho, estou precisando de um maestro, que me ajude numas músicas que vou fazer. Você tem algum?". Paulinho Soledade responde de pronto: "Tom Jobim", e daí se contêm um pouco, mas prossegue: "Tem um problema: ele é moderno. Bebe bonito, conhece poesia e passa a madrugada lendo Carlos Drummond de Andrade. Pode ser perigoso...". Vinícius, feliz, não o deixa prosseguir: "Mas é um sujeito exatamente assim que eu quero!”.

Lúcio Rangel apadrinhou um encontro dos dois no Villarino, famoso bar no centro do Rio, freqüentado por artistas e intelectuais. Vinícius expôs ao Tom seu projeto, e convidou-o para fazer a música. Tom, por volta dos 29 anos, no início de uma suada carreira, tocando piano na noite para "defender o dinheiro do aluguel", como ele mesmo contava mais tarde, lançou a Vinícius a pergunta famosa: "Tem um dinheirinho nisso?". O Vinícius riu e o Lúcio Rangel escandalizado falou: “Isso é coisa pra falar com o poeta? Dinheirinho nisso? Esse é o Vinícius de Moraes.” E o Tom falou: “Ah bom!”. Logo depois, Tom Jobim já pode se mudar para seu famoso endereço na Rua Nascimento Silva, 107.

Orfeu da Conceição estreou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em 25 de Setembro de 1956, e lá ficou em cartaz durante uma semana. Quem era o Orfeu e por conseqüência o cantor era Haroldo Costa, que tinha uma voz maravlhosa.

Tom escreveu os arranjos para a orquestra, que na peça foi regida por Leo Peracchi. No violão, Luiz Bonfá e Tom ao piano.

No lado 1 do disco tinha Overture, uma orquestra sob regência do Tom, maravilhosa por sinal, e o Monólogo de Orfeu dito por Vinícius de Moraes com Luís Bonfá no violão.

No lado 2 tinha os sambas: Um nome de mulher, Mulher sempre mulher, Eu e o meu amor, Lamento no morro e a música que se tornaria clássica: Se todos fossem iguais a você.

Pelos idos de 1955, o compositor moderno Carlos Lyra, que tinha um topete que parecia ter sido projetado por Oscar Niemeyer, dava aulas de violão a vários jovens, como Luiz Roberto Oliveira, no meio de uma delas apareceu um amigo dele de terno e gravata preta, que logo sentou à mesa sem cerimônia. O papo era dos dois, e Carlos Lyra se esqueceu da aula. A conversa ia animada, e o visitante dizia que ia participar de uma gravação da Maysa, tocando violão na orquestra. E tocou no violão um trechinho do acompanhamento do Samba Canção Ouça. Quando este homem saiu, Carlos Lyra falou: "Fique de olho nesse baiano, que ele ainda vai dar o que falar. O nome dele é João Gilberto".

Na mesma época, o capixaba Roberto Menescal que estudava o colegial no Colégio Mello e Souza, em Copacabana, já freqüentava umas festinhas com o violão a tiracolo, e era o ai-Jesus das moças do pedaço. Na sala de lado, distribuindo timidez e sorrisos, e com os joelhos que Deus lhe deu, a também capixaba Nara Leão - que gostava de receber no apartamento dos pais os jovens compositores, em reuniões onde cada um mostrava suas últimas músicas.

Menescal resolveu mudar de colégio e foi para o Mallet Soares, a poucas quadras de distância e com ensino pior. Mas um motivo maior do que passar de ano sem muito esforço era o fato de poder estar próximo de Carlos Lyra, que ali estudava.

Menescal contou que um dia estava tendo uma festa no apartamento dos pais dele, era uma festa chique, bodas de prata dos pais dele, todo mundo de smoking, de terno, gravata e o Menescal estava na porta recebendo os convidados, eis que de repente chega um cara sem terno e presente e fala: “Você tem um violão aí?” E o Menescal respondeu: “Tenho, mas só que tá tendo uma festa aqui e eu estou recebendo os convidados”, aí o cara falou: “É mesmo, tá cheio aqui, tem algum cantinho aí pra gente ir tocar violão?” E o Menescal respondeu: “Tem meu quarto, mas quem é você?” e aí foram pra lá e o cara começa a tocar e cantar Bim Bom, e o Menescal falou: “Você é o João Gilberto?” E ele respondeu: “Sou”. Então o Menescal pegou o João pelo braço, saíram da festa e ele foi mostrar o João a todo mundo e só voltou depois de três dias.

No apartamento da Nara Leão, sempre estavam seu noivo Ronaldo Boscoli, Carlos Lyra, Roberto Menescal e João Gilberto, este último, morava de favor no apartamento do Ronaldo Boscoli, pois não tinha lugar para ficar.

Nesse ambiente de mar, meninas e festinhas, como se movidos por uma força única, que cada um deles começou a tentar tocar o Samba de uma maneira diferente. Alguma coisa nova estava prestes a aparecer.


Nesse cápitulo foram utilizadas passagens de:

OLIVEIRA, Aloísio. Livreto que está no encarte do disco Bossa Nova sua história sua gente, 1975.

CASTRO, Ruy. Chega de saudade – A história e as histórias da Bossa Nova; Companhia das letras, 1990.

CABRAL, Sérgio. Antonio Carlos Jobim – Uma biografia; Lumiar, 1997.

JOBIM, Antônio Carlos. Cancioneiro Jobim – Obras escolhidas. Paulo Jobim, ed. Texto de Sérgio Augusto; Jobim Music/Casa da Palavra, 2000

LYRA, Carlos. Entrevista dada a Luiz Carlos Oliveira, disponível no site www.jobim.com.br, acessado em 2002.

OLIVEIRA, Luiz Carlos. Crônica publicada na revista anual da APAE, em 2000, disponível no site www.jobim.com.br, acessado em 2002.

Encarte do disco Meus primeiros passos e compassos, da gravadora Revivendo, 1997.

Filme Coisa mais linda, de Paulo Thiago, 2005.


2 comentários:

Paula disse...

Parabéns pelo seu artigo sobre a Bossa Nova...
estou fazendo um trabalho acadêmico sobre a bossa... e esse artigo ta mto bom msm cara

Quais fontes vc recomenda pra mim fora essas q estão aí?

Unknown disse...

parabéns...tá lindo esse blog!

ele deveria ser melhor divulgado...eu achei por sorte esse blog e nem sabia que existia...a história está muito bem contada..

parabéns