Com isso tudo, a música brasileira estava caminhando para uma mudança radical. A música, pelo menos a que se ouvia no rádio e nos discos, era insuportável para um adolescente no final dos anos 50. Boleros e sambas-canções falavam de encontros e desencontros amorosos infinitamente distantes das vidas de praia e cinema, de livros e quadrinhos, de inicio da televisão e da ânsia de modernização. Para os garotos de classe média de Copacabana, aqueles cantores da Radio Nacional e suas grandes vozes, dizendo coisas que não os interessavam em uma linguagem que não entendiam, eram abomináveis.
No meio desses cantores de grandes vozeirões, apareceu um que tinha uma voz baixinha: chamado João Gilberto. No apartamento da Nara Leão, João Gilberto, junto com a Nara, Roberto Menescal, Carlos Lyra, Oscar Castro Neves, de tanto tentar buscar uma batida de violão diferente acabaram achando. João Gilberto, ninguém sabe como, um dia apareceu com uma batida que se parecia com um Marcha-Rancho, que misturava o Samba tradicional com a música americana. Possivelmente essa batida surgiu depois do encontro com João Donato, que já fazia no acordeão, praticamente a mesma coisa que João Gilberto passaria a fazer no violão. João Gilberto disse que essa batida foi inspirada no sacolejo das baianas em Juazeiro. Naquela época João Gilberto, além do gosto pela música também gostava da erva. Tanto que seu apelido na época era “Zé Maconha”. Diz o escritor Ruy Castro que ele teve que ir para Diamantina, em MG, para sofrer uma desintoxição. Ficou por lá um mês, passava o dia inteiro no banheiro da casa de uma prima dele tocando violão, diz a lenda que foi de lá que ele apareceu com a batida da Bossa Nova.
No fim de 1957, o jornalista Irineu Garcia que dois anos antes, havia fundando um pequeno selo chamado Festa, para gravar poetas brasileiros dizendo seus poemas. Um desses poetas era o diplomata Vinícius de Moraes, seu colega de uísques no Villarino, no centro do Rio de Janeiro. Mas Vinícius estava se bandeando para a música popular e já tinha uma gaveta de sambas e canções em parceria com Tom Jobim. Num papo entre os dois no Villarino nasceu um disco que seria histórico. A primeira cantora de que cogitaram foi Dolores Duran, também parceira de Tom e amiga dos três. Mas Dolores não se empolgou com a idéia de gravar uma parceria alheia. Então pediu alto, sabendo que Irineu não poderia atendê-la. Subitamente sem cantora, Tom, Vinícius e Irineu voltaram-se para aquela que, depois, passou a parecer uma escolha óbvia: a classuda Elizete Cardoso, a Divina. Mas Elizete era contratada da gravadora Copacabana - que só aceitou empresta-la se isso ficasse registrado na capa do LP. Com tudo acertado, os três partiram para os arranjos e ensaios na casa de Tom, em Ipanema, num endereço que, por causa desse disco, ficaria célebre: Rua Nascimento Silva, 107.
Tom queria dar às orquestrações uma simplicidade quase de câmara. Para isso, usaria poucos instrumentos: doze cordas, dois trombones, uma flauta, uma trompa e a seção rítmica - e, mesmo assim nem todos ao mesmo tempo.
O disco traz 13 faixas, sendo que destas, só uma não era inédita: Outra Vez, que já tinha sido gravada por Dick Farney em 1954. Tom e Vinícius, talvez por medo do que viria a acontecer, colocaram praticamente todas as músicas do disco no ritmo de Samba Canção, o ritmo dominante do Brasil na época. Apenas duas músicas tinham algo diferente. As duas músicas tinham participação de um violonista, que apenas um grupo seleto de pessoas no Rio sabia de quem se tratava um baiano de 31 anos: João Gilberto. As músicas do disco eram Chega de Saudade, Serenata do Adeus, As Praias Desertas, Caminho de Pedra, Luciana, Janelas Abertas, Eu não Existo sem Você, Outra Vez, Medo de Amar, Estrada Branca, Vida Bela, Modinha e Canção do Amor Demais. As duas músicas que tinha participação de João Gilberto eram: Chega de Saudade e Outra Vez.
João Gilberto não participou de todos os ensaios. Houve divergências entre ele e Elizete quanto à maneira de cantar Chega de Saudade. João advogava um canto seco, sem vibrato. Mas Elizete não via razão para modificar seu estilo e pode ter-se irritado com João Gilberto - disse a Irineu que não se adaptou àquela batida e que preferia ter ao violão seu velho acompanhante, o grande Mão de Vaca. Mas Irineu pôs panos quentes: João Gilberto ficou e Elizete cantou como gostava, tornando o disco ainda mais representativo. No contraste entre os dois estilos em Chega de Saudade pode-se quase ver a transição do samba tradicional para a Bossa Nova. É a história acontecendo. Pronto o LP, Vinícius sugeriu que se título fosse Eu não Existo sem Você. Tom preferia que ele se chamasse Chega de Saudade. Mas Irineu, como produtor, delicadamente impôs Canção do Amor Demais. O LP CANÇÃO DO AMOR DEMAIS chegou às lojas em Abril de 1958. A maioria dos compradores de discos só tinha um motivo para se interessar por ele: a foto e o nome de Elizete Cardoso na capa, pois Elizete tinha prestígio, mas quase ninguém ainda conhecia Tom e Vinícius, os autores das músicas.
Quando acabaram de gravar Chega de Saudade, Tom Jobim e João Gilberto encontraram-se na Avenida Rio Branco com o influente letrista e radialista Haroldo Barbosa. Tom disse: "Haroldo, acabamos de gravar um negócio que eu acho que vai pegar".
No mesmo ano, em Dezembro, João Gilberto lançaria o seu primeiro disco: um 78 rpm da Odeon contendo, de um lado, a mesma Chega de Saudade, só que cantada por ele e com a mesma batida do violão; do outro lado, uma composição sua, chamada Bim-Bom (e, de novo, a inconfundível batida). Foi uma revolução. Ouvindo num rádio de pilha Spica - a nova sensação tecnológica, novidade absoluta recém-chegada ao Brasil - João Gilberto cantando Chega de saudade. Foi como um raio. Aquilo era diferente de tudo que já se tinha ouvido, muitos ficaram chocados, sem saber se tinham adorado ou detestado. Mas quanto mais se ouvia mais gostavam. Logo João Gilberto virou ídolo dos mais jovens entre eles nomes como Nelson Motta, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Edu Lobo, Joyce, Wanda Sá e mais outros que mais tarde ficariam na história da música brasileira, tudo por causa dessa batida de violão.
A bossa nova era a trilha-sonora que faltava, que diferenciaria dos "quadrados" e dos antigos, dos românticos e melodramáticos, dos grandiloquentes e dos primitivos, dos nacionalistas e regionalistas, dos americanos. Tínhamos uma música que imaginávamos só para nós. João Gilberto era o pastor desses jovens e nada os faltaria.
Em 1959, João Gilberto era um sucesso nacional, era adorado e detestado, acusado de desafinado e de afeminado, celebrado como o inventor de um novo gênero musical. Muitos ouviam apaixonadamente como o criador de uma maneira nova de cantar e tocar, com um mínimo de voz e um máximo de precisão, com harmonias e ritmos que refinavam e sofisticavam qualquer canção. Com isso alguns deles acharam que qualquer um poderia virar cantor.
Enquanto isso os mais velhos odiavam João Gilberto e o novo ritmo. Falavam que era uma cópia do Jazz e era coisa de americano.
Nesse período o Brasil vivia uma de suas mais gloriosas fases de sua história: o Brasil passou a se desenvolver em várias áreas com o presidente Juscelino Kubithseck aconteceram os cinqüenta anos em cinco, culminando com a fundação de Brasília e o Brasil passou a ter várias indústrias, o cinema nacional começou a ser respeitado mundialmente, na pintura apareceu Portinari, no esporte, o Brasil foi pela primeira vez Campeão do Mundo no Futebol, lá na Suécia, revelando para o mundo nomes como Pelé e Garrincha, a tenista Maria Esther Bueno foi campeã em Wimbledow, o basquete masculino foi campeão pela primeira vez, Ademar Ferreira da Silva é campeão olímpico de salto triplo e vários outros feitos.
Em 1959, João Gilberto fez o disco CHEGA DE SAUDADE, que para muitos foi considerado o melhor disco brasileiro de todos os tempos.
No texto da contracapa, Tom Jobim usou a expressão "bossa nova":
João Gilberto é um baiano, "bossa nova" de vinte e seis anos.
Em pouquíssimo tempo, influenciou toda uma geração de arranjadores, guitarristas, músicos e cantores. Nossa maior preocupação, neste LP foi que Joãozinho não fosse atrapalhado por arranjos que tirassem sua liberdade, sua natural agilidade, sua maneira pessoal e intransferível de ser, em suma, sua espontaneidade. Nos arranjos contidos neste LP Joãozinho participou ativamente; seus palpites, suas idéias, estão todas aí.
Quando João Gilberto se acompanha, o violão é ele. Quando a orquestra o acompanha, a orquestra também é ele. João Gilberto não subestima a sensibilidade do povo.
Ele acredita que há sempre lugar para uma coisa nova, diferente e pura que - embora à primeira vista não pareça - pode se tornar como dizem na linguagem especializada: altamente comercial. Porque o povo compreende o amor, as notas, a simplicidade e a sinceridade. Eu acredito em João Gilberto, porque ele é simples, sincero e extraordinariamente musical.
P. S. - Dorival Caymmi também acha.
No disco tinha mais uma versão de Chega de Saudade, tinha Lobo Bobo, com direito a um “lobo bobo” dito pelo João no final, do Carlos Lyra e do Ronaldo Boscoli, Brigas nunca mais, do Tom e do Vinícius, Ho-bá-lá-lá do próprio João Gilberto, Saudade fez um samba, numa interprtação expetacular do João Gilberto, também do Carlos Lyra e do Ronaldo Boscoli, Maria Ninguém, só do Carlos Lyra, a sensacional Rosa Morena, do Dorival Caymmi, Morena boca de ouro, de Ary Barroso, Bim Bom, também do próprio João, Aos pés da cruz, do Marino Pinto, É luxo só, também de Ary Barroso e a resposta aos críticos: Desafinado, do Tom e do Newton Mendonça. Realmente esse disco é expetacular, têm arranjos feitos pelo Tom Jobim, um disco histórico que marcou época.
Com isso a Bossa Nova passou a designar o novo estilo e virou febre nacional, tudo era Bossa Nova, a música, o cinema, a televisão, a marca de refrigerador, no futebol e até o presidente Juscelino, que virou “Presidente Bossa Nova” como o compositor Juca Chaves o chamou em uma música sua.
Mas quem criou essa expressão?
Até hoje ninguém sabe, mas o primeiro a usar a palavra Bossa, foi o sambista Noel Rosa, ainda na década de 30, com a sua música Coisas Nossas.
Dizem que o criador do termo foi um engraxate que, enquanto puxava o brilho aos sapatos do jornalista Sérgio Porto, assobiava uma música. Sérgio quis saber que música era aquela, ao que o garoto respondeu: “É uma bossa nova..."
Ninguém sabe se a letra de Desafinado, foi antes ou depois do batismo que dizia: "que isso é bossa nova... que isso é muito natural...” O produtor de shows Aloiso Oliveira conta que para ele, o nome bossa nova não era nada estranho. Em 1939 nos Estados Unidos, o Zézinho ou Zé Carioca, já dizia quando observava a iluminação de mercúrio nas estradas: "Olha! Iluminação bossa nova!".
Segundo o Roberto Menescal, o termo Bossa Nova surgiu quando ele, mais Carlos Lyra e outros foram fazer um show acompanhando a cantora Sylvia Telles e o produtor do show, não sabendo como iria chamar o grupo deles colocou no cartaz: Hoje show com Sylvia Telles e um grupo Bossa Nova.
Mas, afinal o que é a Bossa Nova?
Uns a definiram de um modo pitoresco ou poético, dizendo que a Bossa Nova nasceu em virtude dos apartamentos da zona sul. Como as reuniões musicais eram feitas à noite e em geral duravam até tarde, o canto e o violão, eram forçados a serem feitos em tom macio e baixinho, para não incomodar os vizinhos.
Também naquele ano teve o show a "Operação Bossa Nova", produzido e apresentado por Ronaldo Boscoli no palco, de terno e gravata, explicando entre um numero e outro que Bossa Nova era o moderno, o novo, o diferente, que era "um estado de espirito ". Também tinha a cantora Nara Leão, timidíssima, cantando de uma maneira que todos ficaram sem saber se gostavam ou não. Mas sem duvida queriam ver de novo: ela era de uma beleza estranha, tinha uma bocona, uns olhos meio caídos que lhe davam um ar de musa existencialista, um cabelo muito liso e muito escuro e uma pele muito branca, um fio de voz e um charme discretíssimo, sem duvida ela era diferente. A cara da bossa nova.
No show, Lúcio Alves, Alayde Costa e Sylvinha Telles e os desconhecidos Carlinhos Lyra, Oscar Castro Neves e Nara cantavam e tocavam umas músicas muito diferentes de tudo que se ouvia no radio e na televisão, parecidas com as que João cantava. Eles se apresentavam de uma maneira mais informal e intimista, as músicas pareciam mais leves e melodiosas e as letras falavam de situações e pessoas parecidas com a vida que se levava nos apartamentos, nas praias e nas ruas de Copacabana e Ipanema naqueles anos bacanas.
No dia 13 de novembro de 1959 teve o histórico Show da Escola Naval com gravação ao vivo do concerto de Bossa Nova produzido por Ronaldo Bôscoli na Escola Naval, no Rio de Janeiro, com Alaide Costa, Carlos Lyra, Chico Feitosa, Irmãos Castro Neves (Oscar, Mário & OIC), Lúcio Alves, Luiz Eça, Roberto Menescal e Sylvinha Telles. Escola Naval é uma instalação militar no Rio de Janeiro. A audiência foi talvez uma mistura de militares e fãs, e de acordo com Ruy Castro no livro “CHEGA DE SAUDADE". O teatro tinha uma capacidade de 600 lugares e quase 1000 pessoas participaram. Nesse show Ronaldo Bôscoli teve que explicar o que era Bossa Nova, acabou escolhendo a saída mais fácil: “É o que há de moderno, de totalmente novo e de vanguarda na música brasileira”. Esta gravação foi ao vivo e durou aproximadamente 65 minutos. Foi um grande show – embora qualquer pessoa pudesse notar a diferença entre os amadores e os cantores de verdade. Muitos detalhes que certamente surpreende à maneira como algumas canções clássicas foram realizadas no início, várias conversas interessantes entre os artistas intérpretes ou executantes, com alguns momentos realmente agradáveis com Ronaldo Bôscoli, Lúcio Alves e Sylvinha Telles. As gravações em fitas durante muitos anos passaram na mão de alguns privilegiados colecionadores até que chegou a era digital e foi disponibilizado em mp3 na internet.
As faixas do show são: Não faz assim, com Luiz Eça e Irmãos Castro Neves, Dialogo, com Ronaldo Bôscoli, Minha saudade, com Luiz Eça e Irmãos Castro Neves, Dialogo, com Ronaldo Bôscoli, A felicidade, com Luiz Eça e Irmãos Castro Neves, Dialogo, com Ronaldo Bôscoli e Lucio Alves, Agora é cinza, com Lucio Alves, Dialogo, com Ronaldo Bôscoli e Lucio Alves, Por causa de você, com Lucio Alves, Dialogo, com Ronaldo Bôscoli, Dizem por ai, com Lucio Alves, Dialogo, com Ronaldo Bôscoli e Sylvinha Telles, Discussão, com Sylvinha Telles, Dialogo, com Sylvinha Telles, Começou assim, Sylvinha Telles, Sente, com Sylvinha Telles, Dialogo, com Ronaldo Bôscoli e Sylvinha Telles, Oba-la-la, com Sylvinha Telles, Dialogo, com Ronaldo Bôscoli, Sylvinha Telles e Carlos Lyra, Barquinho de papel, com Carlos Lyra, Dialogo, com Ronaldo Bôscoli, Maria ninguém, com Carlos Lyra, Dialogo, com Ronaldo Bôscoli, Lobo bobo, com Carlos Lyra, Dialogo, com Ronaldo Bôscoli e Alaíde Costa, Chora tua tristeza, com Alaíde Costa, Dialogo, com Ronaldo Bôscoli, Garota Be Bop, com Alaíde Costa, Lagrima, com Alaíde Costa, Dialogo, com Alaíde Costa, Só não vem você, com Alaíde Costa, Dialogo, com Ronaldo Bôscoli e Chico Feitosa, Ciúme, com Chico Feitosa, Dialogo, com Chico Feitosa, Complicação, com Chico Feitosa, Dialogo, com Ronaldo Bôscoli, Saudade fez um samba, com Roberto Menescal, Dialogo, com Ronaldo Bôscoli e Reloginho da vovó, com Luiz Eça e Irmãos Castro Neves.
No mesmo ano, um cineasta francês, em visita ao Brasil, acaba descobrindo a peça Orfeu da Conceição, do Vinícius de Moraes e acaba querendo fazer um filme sobre ela. Vinícius aceitou e no filme tinha o cantor Agostinho dos Santos como Orfeu, com músicas do Tom, do Vinícius e de Luís Bonfá. O filme se chamou Orfeu do Carnaval. O filme, realmente foi muito ruim, mas acabou ganhado a Palma de Ouro, no festival de Cannes, na França e no outro ano o Oscar de melhor filme estrangeiro. Nem Vinícius quando foi ver o filme, ao lado de Juscelino, agüentou ver, se levantou antes do final e foi embora. O filme foi bem diferente da idéia original do Vinícius: era uma visão dos europeus aos morros cariocas, bem diferentes da realidade nossa.
O que ficou para sempre no filme foram as músicas Frevo e A felicidade, do Tom e do Vinícius, Samba de Orfeu e Manhã de Carnaval, do Luís Bonfá, sendo que esta última foi o tema do filme e com essa música o mundo passou ter uma outra visão do Brasil, diferente daquela dada por Carmem Miranda vestida de baiana. As músicas da trilha do ORFEU NEGRO foram: A francesa Génerique, a explendorosa A Felicidade, Frevo, O nosso amor, as três do Tom e do Vinícius, a expetacular Manhã de Carnaval, as também francesas Scene du Lever du Soleil, Scenes de la Macumbe, Samba de Orfeu, Baterrie de capela e no final um medley de Manhã de Carnaval, A felicidade e O nosso amor, tocadas pelo Bola Sete. Dorival Caymmi disse muito tempo depois que o diretor do filme não gostou da música A felicidade, que tinha um compositor que o mundo até então não conhecia, que era o Tom Jobim, por isso pediu que ele fizesse uma canção pra substituir A felicidade. Como deu pra perceber ele não aceitou, sorte a nossa, porque logo depois a música seria sucesso no mundo todo e Tom Jobim, seria só o músico brasileiro mais famoso no mundo em todos os tempos.
Também em 1959, a cantora Sílvia Teles lança um disco só de músicas do Tom Jobim. O disco se chamou AMOR DE GENTE MOÇA. As músicas do disco eram: Dindi, De você eu gosto, as duas com o Aloisio de Oliveira, Discussão, com o Newton Mendonça, Sem Você, com o Vinícius, Fotografia, só do Tom, outra gravação de Janelas Abertas, Demais, também com Aloisio Oliveira, O que tinha de ser, A Felicidade, Canta, Canta mais, as três com o Vinícius, Só em teus braços e Esquecendo Você, as duas só do Tom.
No mesmo ano a cantora Lenita Bruno, lança o disco POR TODA MINHA VIDA, só com músicas do Tom e do Vinícius. As músicas do disco foram arranjadas por Léo Perachi e participação de Radamés Gnatalli no piano. Ainda num clima bem de samba canção. As músicas do disco são: Por toda minha vida, Serenata do Adeus, Estrada branca, Soneto de Separação, Valsa de Orfeu, Canção do amor demais, As praias desertas, Eu sei que vou te amar, Canta, canta mais, Modinha, Cai a tarde, uma rara música do Tom com o Vinícius, Sem você e Eu não existo sem você. O disco foi feito por Irineu Garcia.
Numa noite quente do outono carioca de 1960, um show marcou para sempre a história da música brasileira.
No anfiteatro ao ar livre da Faculdade de Arquitetura, na Praia Vermelha, as luzes se apagaram e ouviu-se a gravação de Sylvinha Telles e grande orquestra de Eu preciso de você (Tom Jobim e Aloysio de Oliveira). Uma abertura festiva e empolgante, não em ritmo de bossa nova, mas de ouverture da Broadway. Uma a uma se iluminaram as janelas do segundo andar atrás do palco e de cada uma delas foi desfraldada uma bandeira, com as palavras "a noite", "do amor", "do sorriso" e "da flor", no meio do publico que superlotava os dois mil lugares do anfiteatro.
Muita gente estava ali para ver João Gilberto, lançando o seu segundo LP, O AMOR, O SORRISO E A FLOR, que estourava nas rádios com clássicos instantâneos como Samba de uma nota só, do Tom e do Newton Mendonça, Corcovado, só do Tom, O pato, do Jayme Silva e Neusa Teixeira e Meditação, de Tom Jobim e Newton Mendonça, cujos versos deram nome ao disco e ao show e um slogan para o novo movimento musical:
"Quem acreditou
no amor, no sorriso e na flo
então sonhou, sonhou,
e perdeu a paz,
pois o amor, o sorriso e a flor
se transformam depressa demais..."
Muitos estavam ali para ver Norma Bengell, que era uma das mulheres mais bonitas e desejadas do Brasil, vedete das revistas de Carlos Machado, estrela da coluna de Stanislaw Ponte Preta, sonho erótico nacional. Ela tinha lançado um disco pela Odeon, "Oooooh Norma”, onde cantava com voz sexy e cool standards americanos, canções de Tom Jobim e o Oba-la-lá de João Gilberto.
Alguns poucos estavam ali também para ouvir a bossa dos novos cariocas Nara Leão, Nana e Dory Caymmi, Luiz Carlos Vinhas, Roberto Menescal e Chico Feitosa e de paulistas desconhecidos como Sérgio Ricardo, Johnny Alf, Pedrinho Mattar e Caetano Zama.
Ronaldo Boscoli era o apresentador e um dos produtores do show, numa bem sucedida manobra em conjunto com o marketing da Odeon: Ronaldo lançava a sua turma de amigos e a gravadora o disco de João. Mas a Odeon exagerou: escalou para a "Noite do amor, do sorriso e da flor" alguns de seus artistas mais populares, como o nordestino e bolerístico Trio Iraquitã e a explosiva sambista carioca Elza Soares, que não tinham nada a ver com a bossa nova. Muito pelo contrário.
Norma entrou esfuziante, com cabelos louros e curtos e pernas enormes, ovacionada pelo público. Lindíssima, cantou com voz felina uma música de Oscar Castro Neves e Luvercy Fiorini dedicada às feiosas:
"Vem menina feia,
amor bonito você vai encontrar,
há um pequeno principe esperando por você,
que vai de amor te encantar...”
E depois, todo mundo, bossa ou não, cantou.
Cantou até Normando Santos, um pernambucano muito alto e muito magro, com uma voz grave e sotaque carregado e um estilo meio antigo de cantar. Cheio e sorrisos e simpatia, ele abriu o vozeirão em Jura de pombo, primeira parceria de Roberto Menescal com Ronaldo Boscoli, sobre uma briga de amor entre um casal de pombos, com final feliz. Começava com a pombinha toda de branco indo se encontrar com um pombo moreno.
A letra não era de duplo sentido, mesmo num tempo em que “pombinha “era uma lírica gíria para as partes femininas, era para ser romântica e divertida, na linha do sucesso Lobo bôbo, o publico riu e aplaudiu”“. Depois, surpresa: o paulista Caetano Zama apresentou um ousado "samba concreto”, em parceria com Roberto Freire, experimentalismo paulistano que já pretendia ir além da Bossa Nova, que mal estava começando. O menino e a rosa era um jogo de palavras e repetições em uns poucos acordes de violão e o publico não entendeu, mas aplaudiu.
João Gilberto não tinha nada a ver com tudo isso. João foi a grande estrela da noite, fechando o show. Abriu com os hits de seu novo disco, Samba de uma nota só, e O pato, depois cantou Brigas nunca mais em dueto com sua mulher Astrud e fechou com Meditação, diante da platéia hipnotizada pela qualidade e novidade das músicas e pelo ritmo e a harmonia em perfeita sincronia com sua voz e seu violão. Como o amor, o sorriso e a flor da canção, o show de João terminou depressa demais.
Nesta noite inesquecível, além da presença suave e carismática de João, impressionaram a beleza e gostosura de Norma e o charme carioca de Ronaldo e Nara. Nesta noite teve o poeta Vinícius de Morais e as vozes do quarteto Os Cariocas, com suas harmonizações dissonantes inspiradas nos grandes conjuntos vocais americanos, o espantoso estilo serpenteante de Johnny Alf, um negro de voz rouca e fraseada jazzistico. Tudo num ambiente jovem e animado, a sensação de estar testemunhando o nascimento de alguma coisa grande e bonita.
Durante todo o show muitos ficaram fascinados com os músicos do conjunto, Luiz Carlos Vinhas no piano, Roberto Menescal com uma incrível guitarra elétrica vermelha, o baterista Helcio Milito e suas tambas, Bebeto no sax e Luiz Paulo no contrabaixo, um ritmo sensacional, umas sonoridades diferentes, uns acordes estranhos, umas músicas maravilhosas.
Nesse segundo LP de João Gilberto, O AMOR, O SORRISO E A FLOR, tinham as músicas Samba de Uma nota só, Doralice, de Dorival Caymmi, Só em teus braços, do Tom, Trevo de quatro folhas, Se é tarde me perdoa, de Carlos Lyra e Ronaldo Boscoli, Um abraço no Bonfá, do próprio João, Meditação, O pato, Corcovado, Discussão, do Tom e do Newton Mendonça, Amor Certinho, do Roberto Guimarães e mais uma versão de Outra Vez.
No mesmo ano Tom Jobim e Vinícius de Moraes fizeram a SINFONIA DA ALVORADA, a pedido do presidente Juscelino. Foi encomendada por Juscelino desde fevereiro de 1958, mas o trabalho da dupla foi adiado por causa de protestos contra a construção de Brasília, originados principalmente nas áreas de oposição ao governo.
Mais tarde, Juscelino reiterou o convite através do arquiteto Oscar Niemeyer, que transmitiu ao Vinícius a vontade do presidente de ter a Sinfonia antes de 21 de abril de 1960, dia marcado para a mudança da capital.
A convite de Juscelino, Tom e Vinícius passaram uma temporada em Brasília, para conhecer o local onde a cidade estava sendo construída.
Mas, Brasília foi inaugurada sem a Sinfonia, e um espetáculo de luz e som planejado para 7 de Setembro de 1960, quando a Sinfonia seria finalmente apresentada, também não aconteceu, por causa dos altos custos apresentados pela empresa francesa Clemancón, que proveria o equipamento e a tecnologia para o evento.
A Sinfonia da Alvorada foi apresentada em primeira audição em 1966, na TV Excelsior de São Paulo. Uma segunda apresentação deu-se na Praça dos Três Poderes em Brasília em 1986, com regência de Alceu Bocchino e Radamés Gnatalli ao piano. O texto de Vinícius foi falado por sua filha Susana de Moraes e por Tom Jobim.
A Sinfonia é dividida em cinco partes:
I. O Planalto Deserto
II. O Homem
III. A Chegada dos Candangos
IV. O Trabalho e a Construção
V. Coral.
Em 1961, Tom Jobim compôs a trilha sonora para o filme Porto das Caxias, de Paulo César Sarracena. No filme têm a rara Valsa do Porto das Caxias e Derradeira Primavera, esta última em versão instrumental com uma orquestra tocada por uma banda de circo.
Também em 1961, a cantora Maysa lança o sensacional disco BARQUINHO, as músicas do disco são: a então novíssima O barquinho, Você e eu, Dois meninos, uma música rara de Roberto Menescal e Ronaldo Boscoli, Recado à solidão, de Chico Feitosa, Depois do amor, de Normando e do Ronaldo Boscoli, Só você, de Paulo Soledade, a biográfica Maysa, de Luís Eça e Ronaldo Boscoli, Errinho à toa, Lágrima primeira, essas duas também da dupla, Roberto e Ronaldo, Eu e meu coração, de Antônio Botelho, Cala meu amor, uma música rara da parceria de Tom com Vinícius e Melancolia, também de Luís Eça e Ronaldo Boscoli.
Enquanto a Bossa Nova era muito criticada no Rio, onde ela nasceu, em São Paulo, a Bossa Nova foi muito bem recebida, vários artistas apareciam na televisão e as músicas tocavam a exaustão no rádio.
De São Paulo, que já acolhera os exilados cariocas Johnny Alf, Claudette Soares e Alaíde Costa lastrearam uma filial do movimento com trios instrumentais como o Zimbo, Sambalanço (de onde sairiam Cesar Camargo Mariano e Airto Moreira), Jongo, Bossa Jazz, Manfredo Fest (pianista que acabaria radicado nos EUA), o cantor Agostinho dos Santos, as cantoras Maysa, Elsa Laranjeira e Ana Lúcia, a compositora Vera Brasil (Tema do Boneco de Palha), o violonista Paulinho Nogueira, os compositores Walter Santos e Geraldo Vandré (que lançaria o protesto Menino das Laranjas do futuro parceiro Théo de Barros) e o organista Walter Wanderley entre outros.
Nessa época alguns jovens inspirados, especialmente em João Gilberto, Carlos Lyra e Roberto Menescal, resolvem começar a cantar: como a paulista Wanda Sá e o compositor Marcos Valle.
Também em 1961, João Gilberto lança seu terceiro disco, com seu próprio nome. No disco JOÃO GILBERTO tinha as músicas: a sensacional Samba da minha terra, de Dorival Caymmi, uma interpretação maravilhosa de O barquinho, do Roberto Menescal e Ronaldo Boscoli, Bolinha de papel, de Geraldo Pereira, Saudade da Bahia, também de Caymmi, A primeira vez, de Marçal e Bide, Amor em Paz, do Tom e do Vinícius, Você e eu, de Carlos Lyra e Vinícius de Moraes, Trem de Ferro, de Lauro Maia, Coisa mais linda, também do Carlos Lyra e do Vinícius, Presente de natal, de Nelcy Noronha, Insensatez, do Tom e do Vinícius e Este seu olhar, só do Tom. Logo, a música O barquinho do Menescal e do Ronaldo Boscoli, vira um grande clássico e uma das músicas que melhor representa o espírito da Bossa Nova, que é de amor, praia, sol e verão. Ronaldo Boscoli e Roberto Menescal depois fariam mais músicas maravilhosas como, por exemplo: Você, Rio e Nós e o mar.
Em 1962, Tom Jobim e Vinícius de Moraes, sempre que podem, vão ao bar do Veloso em Ipanema para tomar um chope. Entre uma bebida e outra passa a bela Heloísa Eneida Meneses Paes Pinto, que mora na esquina da Rua Prudente de Moraes com a Montenegro - que muitos anos depois passaria a se chamar Rua Vinícius de Moraes -, em pleno coração de Ipanema. Nessa esquina também fica o bar Veloso, a essa altura uma espécie de escritório do Vinícius.
Helô, sempre que pode vestida de normalista (escola normal), gasta as tardes quentes de verão na praia. Vinícius e Tom se acostumam a vê-la passar - e se encantam. Dizem gracinhas, assobiam, dizem bobagens, como qualquer paquerador padrão. Mas - eis a grande diferença - sabem transformar aquele encanto em arte. Algumas vezes, quando Helô passa em direção à praia, Vinícius, ao invés de dizer bobagens, emudece. Um dia, numa introspeção mais empolada e abstrata, tenta defini-la para Tom: "Você notou que quando ela passa o ar fica mais volátil? Eu acho que nem os egípcios, nem o próprio Einsten saberiam explicar por que". Ali mesmo, na varanda do bar, entre uma piadinha boba e outra, compõem o que depois viraria o maior clássico da Bossa Nova: Garota de Ipanema.
Em agosto de 1962, no restaurante Au Boné Gourmet, Avenida Nossa Senhora de Copacabana, Rio, acontece o show O Grande Encontro: com Tom, Vinícius, João Gilberto, e os Cariocas. No baixo, Otávio Bailly, e na bateria, Milton Banana. Foi a primeira e única vez que Tom, Vinícius e João Gilberto cantaram juntos. Nesse show estréiam algumas músicas que fariam grande sucesso como Samba do Avião, do Tom, Só danço Samba e Garota de Ipanema, do Tom e do Vinícius.
Quando vão cantar Garota de Ipanema, o Tom fala:
"Eu e o Vinícius acabamos de compor um negócio aqui, que acho que vocês vão gostar".
A música tinha acabado de sair do forno e nem eles sabiam cantar direito, tanto que os três estavam com um papel com a letra da música.
Nessa primeira vez que foi mostrada ao público, Garota de Ipanema ganhou uma introdução feita especialmente para a ocasião:
João: "Tom e esse você fizesse agora uma canção, que possa nos dizer, contar o que é o amor?"
Tom: "Olha Joãozinho, eu não saberia, sem Vinícius para fazer a poesia"
Vinícius: "Para essa canção realizar, quem dera o João para cantar"
João: “Ah, mas quem sou eu? Eu sou mais vocês. Melhor se nós cantássemos os três”.
Os três: “Olha que coisa mais linda mais cheia de graça.."
O interessante que essa gravação foi roubada pelo cantor Pery Ribeiro, que gravou uma fita com os três cantando e pegou a música para ele, tanto que ele foi o primeiro a gravar Garota de Ipanema.
Todas as músicas desse show histórico foram: Só danço samba, com Os Cariocas, Samba de uma nota só, com Tom Jobim e Os Cariocas, Corcovado, com João Gilberto e Os Cariocas, Samba da benção, com Vinícius de Moraes, Amor em paz, com João Gilberto e Os Cariocas, Bossa Nova e Bossa Velha, do Miguel Gustavo, com Os Cariocas, Samba do avião, com Tom Jobim e Os Cariocas, O astronauta, com Vinícius de Moraes e Os Cariocas, Samba da minha terra, com João Gilberto, Insensatez, com João Gilberto, Garota de Ipanema, com João Gilberto, Tom Jobim e Vinícius de Moraes, acompanhada com Devagar com a louça, de Haroldo Barbosa, com Os Cariocas, Só danço samba, com João Gilberto e Os Cariocas, e no final um pout-pourri com Garota de Ipanema, Só danço samba e Se todos fossem iguais a você, com Tom Jobim, João Gilberto, Vinícius de Moraes e Os Cariocas.
Logo a Garota de Ipanema seria um tremendo sucesso, mas ainda Helô não sabe que é a musa inspiradora da música.
Pouco depois, Helô se encontra com o Tom na praia. Tom é um rapaz bonitão a quem, a essa altura, o sucesso já livrou de qualquer resquício de timidez. Ele se aproxima de Helô e, sem medir as palavras, diz: "Tenho uma paixão platônica por você. Você não quer casar comigo?”. A moça se espanta, mas não perde a pose. "Você está brincando", diz. "Você é um homem casado e eu ainda sou virgem”. Tom de fato, está casado com Teresa Hermanny. Freqüentadores do Veloso já tentaram convencê-la, sem sucesso, de que Garota de Ipanema foi feita em sua homenagem. Tom se aproveita: "Mas você não gostou da música?". Helô continua impassível: "Isso são coisas que vocês espalham por aí. A música não tem o meu nome. Você está louco". Tom Jobim vendo que perde o controle sobre uma situação que lhe parecia fácil, se exalta: "Mas eu juro, ela foi feita pra você. Fui eu quem fez e sou eu quem está dizendo!". Helô vira as costas, não sem antes enfatizar: "Isso é uma boa duma mentira. Eu não acredito".
Na mesma época, Ronaldo Boscoli é encarregado de fazer uma reportagem de capa para a revista Fatos & Fotos, revelando a verdadeira identidade da Garota de Ipanema. Vinícius e Tom se aborrecem. Acham que é cedo demais para a revelação. E que, no momento adequado, a tarefa deveria caber a eles. A reportagem é publicada. O poeta chega a procurar Ronaldo para reclamar: "Como é que você divulga na nossa frente?" Ronaldo lhe responde o óbvio: "Eu fui mais esperto" Vinícius não tem como contestá-lo.
Um dia, Boscoli, mais afoito e mais galanteador, decide abordar Helô na rua. Garota de Ipanema já toca no rádio, mas ela ainda não consegue acreditar que seja, realmente, sua musa inspiradora. Boscoli lhe dá a notícia. É amigo íntimo de Tom e Vinícius, não pode estar mentindo. Ela agora é obrigada a acreditar. Sua vida, desde então, muda. Torna-se o paradigma internacional da mulher carioca. Por meio dela, Ipanema se projeta, em definitivo, no exterior. Transforma-se, numa palavra mágica aos ouvidos dos estrangeiros. Quase um sinônimo, moderno, de Brasil.
Helô, na verdade, é uma moça comum. Aos quinze anos, começa a namorar firme o estudante de engenharia metalúrgica Fernando Abel Mendes Pinheiro, que depois será seu marido. Torna-se, então, Helô Pinheiro.
Em 1965, o poeta Vinícius de Moraes fala:
"Revelação: a verdadeira Garota de Ipanema."
"Seu nome é Heloísa Eneida Menezes Paes Pinto,
mas todos a chamam de Helô. Há três anos atrás
ela passava, ali no cruzamento de Montenegro e
Prudente de Morais, em demanda da praia, e nós
a achávamos demais. Do nosso posto de observação,
no Veloso, enxugando a nossa cervejinha,
Tom e eu emudecíamos à sua vinda maravilhosa.
O ar ficava mais volátil como para facilitar-lhe o divino
balanço do andar. E lá ia ela toda linda, a garota
de Ipanema, desenvolvendo no percurso a geometria
espacial do seu balanceio quase samba, e cuja fórmula
teria escapado ao próprio Einstein; seria preciso
um Antônio Carlos Jobim para pedir ao piano, em grande
e religiosa intimidade, a revelação do seu segredo.
Para ela fizemos, com todo o respeito e mudo encantamento, o samba que a colocou nas manchetes do mundo inteiro e fez de nossa querida Ipanema uma palavra mágica para os ouvintes estrangeiros. Ela foi e é para nós
o paradigma do bruto carioca; a moça dourada,
misto de flor e sereia, cheia de luz e de graça
mas cuja a visão é também triste,
pois carrega consigo, a caminho do mar, o sentimento da
que passa, da beleza que não é só nossa
- é um dom da vida em seu lindo e melancólico
fluir e refluir constante
No mesmo ano, durante um show de Tom e Vinícius no Clube Leblon, o poeta, ao notar a presença de Helô na platéia, fala ao microfone: "Vamos tocar Garota de Ipanema, mas não vamos encostar-se a ela, porque o namorado está aí e ele é um tremendo de um armário". Helô se casa no ano seguinte. Tom e Vinícius recebem os convites para a cerimônia. O poeta está em Cannes e, sem qualquer constrangimento, despacha um telegrama dizendo: "Estarei mais algum tempo na França. Sugiro adiamento do casamento”. Tom aceita o convite para ser o padrinho.
Helô Pinheiro nunca mais deixará de ser a Garota de Ipanema. Torna-se garota-propaganda, participa como atriz - de talento duvidoso - em novelas da TV Globo e da TV Bandeirantes, transforma-se em apresentadora de programa de variedades.
Em 1987, ela posa nua para a revista Playboy, e o Tom escreve o texto que diz assim:
Heloísa minha brisa
minha eterna inspiração
Quando vejo Helô Pinheiro
tomo logo a extrema-unção.
Vou correndo pro banheiro
vou botar o meu calção
e lá ajoelho e rezo
tomo leite com farelo
pra baixar a hipertensão.
Vou ungir minha cabeça
neste improvisado templo
Maria! Meu saco de gelo!
Minha pipa, meu barbante
meu papel fino avoante
quero escrever A Canção!
É canção pro mundo inteiro
vai render muito dinheiro
é canção universal
que canta a Helô Pinheiro
Casamos no carnaval.
Maria! A roupa de cama!
Troque o lençol, quero fronha
do mais branco puro linho
mande comprar a PLAYBOY
e uma garrafa de vinho
PLAYBOY é que é revista!
É nudez inteligente
Ainda mais com Heloísa
faz bem à alma da gente.
Oh, minha eterna Heloísa
sou teu constante Abelardo
tu és a musa perfeita
e eu teu constante bardo.
Venha depressa Heloisinha
quem te chama é Tom Jobim
te espero na mesma esquina
já comprei o amendoim...
Os shows de Bossa Nova começaram no âmbito universitário (foi o primeiro movimento musical brasileiro a sair das faculdades) e agregaram inúmeros outros inovadores. Com isso surgiram nomes como Durval Ferreira (Sambop, Batida Diferente) à precursora Silvia Telles, Leny Andrade, Wilson Simonal, Baden Powell, que mudaria a Bossa Nova incorporando ritmos africanos e as primeiras formações instrumentais da nova tendência lideradas por gente como Oscar Castro Neves (e seus irmãos músicos), Sérgio Mendes, Luis Carlos Vinhas, J.T. Meirelles, além do instrumental/vocal Tamba Trio (Luis Eça, Bebeto, Hélcio Milito) que ao lado do Bossa 3 (Vinhas, Tião Netto, Edison Machado) daria início a uma febre de conjuntos de piano, baixo e bateria. Foi um momento de efervescência instrumental com o aparecimento de músicos novos como Paulo Moura, Tenório Júnior, Dom Um Romão, Milton Banana, Edson Maciel, Raul de Souza e a ascensão de maestros e arranjadores como Eumir Deodato e Moacir Santos.
O movimento concentraria novas forças em pocket shows nos minúsculos bares do chamado Beco das Garrafas (nomeado a partir dos projéteis atirados pelos vizinhos contra o barulho) em Copacabana. Nessa época o compositor Marcos Valle ao lado do irmão Paulo Sérgio compõe a clássica Samba de Verão, outra música que representa bem o espírito da Bossa Nova.
Também em 1962, Vinícius de Moraes começa a compor com o violonista Baden Powell. O novo parceiro o põe em contato com os ritmos baianos, a influência africana e os ritmos baianos, a influência africana e os ritos do candomblé. Surgiram músicas como Berimbau e o Canto de Ossanha. Baden defronta o poeta com uma cultura mais primitiva, um universo encantado em tudo diferente daquela cultura de classe média em que a Bossa Nova floresceu. A parceria é inaugurada com quatro sambas, feitos por encomenda da cantora Angela Maria. O mais famoso deles é o Samba da Benção.
Certa vez atravessam a madrugada compondo um samba. Ao amanhecer, diante de três garrafas de uísque vazias e da partitura pronta do Samba em Prelúdio, Baden diz constrangido: "Não sei, não, parceiro, mas acho que plagiamos Chopin". Para resolver a dúvida, o poeta decide acordar a sua mulher Nelita, que dorme no quarto ao lado. Convicta, afirma: "Não, não é Chopin". Volta a dormir. Vinícius, visivelmente aliviado, retorna à sala e anuncia ao parceiro: "Não, não é dele. Mas se ele não compôs, é porque esqueceu de fazer".
Em 1963, o produtor Aloisio Oliveira funda a gravadora Elenco, que conhecia todos os principais personagens da bossa nova e já havia trabalhado nas gravadoras Odeon e Philips. O conceito gráfico das capas, desenvolvido pelo designer Cesar Villela com o fotógrafo Chico Pereira, foi algo totalmente inovador para a época e gerou inúmeros imitadores, além de ter sido uma estética que ficou profundamente ligada à bossa nova.
No mesmo ano, Marcos Valle lança seu primeiro disco: o espetacular SAMBA DEMAIS. As músicas desse disco são: Vivo sonhando, do Tom, Amor de nada, dele, com seu irmão Paulo Sérgio Valle, Moça flor, do Lula Freire e Durval Ferreira, Canção pequenina, do Pingarrillo, Razão do amor, Tudo de você, Sonho de Maria, as três do Marcos, com seu irmão, Ela é carioca, Ilusão a toa, de Johnny Alf, Ainda mais lindo, E vem o sol, as duas do Marcos, com seu irmão e A morte de um deus do sal, rara música de Roberto Menescal e Ronaldo Boscoli.
OLIVEIRA, Aloísio. Livreto que está no encarte do disco Bossa Nova sua história sua gente, 1975.
CASTRO, Ruy. Chega de saudade – A história e as histórias da Bossa Nova; Companhia das letras, 1990.
CABRAL, Sérgio. Antonio Carlos Jobim – Uma biografial; Lumiar, 1997.
MOTTA, Nelson. Noites tropicais; Objetiva, 2000.
CASTELLO, José. Vinícius de Moraes - O poeta da paixão; Companhia das letras, 1994.
JOBIM, Helena, Antonio Carlos Jobim – Um homem iluminado; Nova Fronteira, 1996.
LYRA, Carlos. Entrevista dada a Luiz Carlos Oliveira, disponível no site www.jobim.com.br, acessado em 2002.
OLIVEIRA, Luiz Carlos. Crônica publicada na revista anual da APAE, em 2000, disponível no site www.jobim.com.br, acessado em 2002.
Encarte do disco Chega de saudade, disponível no site www.jobim.com.br, acessado em 2002.
Faixas de discos tiradas do site www.cliquemusic.com.br
Faixas de discos tiradas do site www.jobim.com.br
Filme Coisa mais linda, de Paulo Thiago, 2005.