terça-feira, 11 de dezembro de 2007

4 - A crise da Bossa Nova no Brasil - 8ª parte


8ª parte

Em 1973, João Donato volta ao Brasil e grava seu melhor disco: QUEM É QUEM. O disco foi produzido pelo Marcos Valle. As músicas do disco são: Chorou, chorou, Terremoto, a espetacular Amazonas, Fim de sonho, a também espetacular A rã, Ahiê, Cala boca menino, um hip hop de Dorival Caymmi (!), Nanã das águas, Me deixa, a maravilhosa Até quem sabe, Mentiras, com participação de Nana Caymmi e a bela Cadê Jodel, parceria com Marcos Valle. Nesse disco começa a parceria do João com o Gilberto Gil e o Caetano Veloso. Esse foi o primeiro disco do João Donato como cantor, na verdade ele nunca quis ser cantor, só instrumentista, quem o fez mudar de idéia foi o grande Agostinho dos Santos. O canto dele lembra muito do amigo João Gilberto, a inflûencia que um teve do outro não se restringiu as esquisitices e sim o canto e o talento musical, isso é o que importa. Anos mais tarde o João Donato falou: Comecei a fazer letra com um monte de gente. Eu ia gravar instrumental dentro de alguns dias e o Agostinho dos Santos falou: ‘Vai gravar tocando piano de novo? Todo mundo já ouviu isso. Se fosse você, eu gravaria cantando’. Como foi uma resolução apressada, colocamos quatro ou cinco letristas. Tinha uma semana para arrumar letras para 12 músicas. Tinha mais de uma pessoa fazendo letras para a mesma música, sem saber! Eu mandava as fitas para todo mundo e chegavam letras diferentes para a mesma música. Meu irmão (Lysias Ênio) fez a letra para "Até quem sabe" e o Dorival Caymmi tinha feito também. Quando ele leu a letra do Lysias, disse: 'Vou rasgar a minha, a dele está melhor'. E rasgou. Eu não devia ter deixado, devia ter ficado com a letra dele e feito outra música em cima (risos).”

Em 1974, acontece um encontro memorável entre Tom Jobim e Elis Regina, que surgiria um disco também memorável: ELIS E TOM. A direção da Philips verificou que a cantora Elis Regina estaria completando 10 anos no elenco da companhia. Depois dos estrondosos sucessos de “Casa no Campo” e “Águas de Março” nos anos anteriores, o então presidente André Midani perguntou a Elis o que ela queria de presente e logo ouviu: “Gravar um disco de músicas de Tom Jobim... com Tom Jobim”.
A inspiração para este projeto vinha de um velho LP de músicas de Tom e Vinicius de Moraes, lançado em 1959 pelo selo Festa - POR TODA A MINHA VIDA, da cantora Lenita Bruno (1926-1987), que reunia canções camerísticas em arranjos do marido Leo Peracchi (1911-1993), ex-professor de Tom. Então marido de Elis, o também arranjador Cesar Camargo Mariano há muito conhecia o LP. Quando o projeto foi proposto, a direção da gravadora convidou para a produção Aloysio de Oliveira (1914-1995), amigo de todos os envolvidos. O orçamento inicial não permitiria levar Elis, Cesar e Aloysio para os Estados Unidos, onde Tom morava há alguns anos. Seria mais barato trazê-lo para o Brasil, mas por algum motivo ele não poderia viajar. Elis e Cesar foram para Los Angeles, onde Aloysio tinha um apartamento, e foram recepcionados no aeroporto por Tom - que os levou para tomar café em seu apartamento e, claro, para uma primeira reunião.
Havia uma tensão no ar, fruto do constrangimento do jovem casal Elis e Cesar diante do ídolo internacional Tom Jobim. Aloysio havia sugerido algumas músicas, após uma primeira conversa em São Paulo, e já ligava para o maestro Bill Hitchcock - contratado para reger o quinteto de cordas porque, por uma norma do sindicato local, o estrangeiro Cesar não poderia fazê-lo sem uma autorização especial que a burocracia certamente retardaria. Mas, de repente, partiu de Tom uma pergunta: “Quem fará os arranjos?” Tom soubera do projeto através de Aloysio, e o aprovara em poucos dias, mesmo sem saber de muitos detalhes. Elis e Cesar já vinham amadurecendo-o há meses e, naquele instante, a pergunta caiu como uma bomba. Cesar lembra-se de que teve vontade de correr “pra casa da mamãe”. A resposta à pergunta de Tom foi dada por Aloysio, mas demorou como uma eternidade. “Quem vai fazer é o próprio Cesar, que trabalha com Elis desde 1970!”
Tom já ficara tenso no início da conversa, quando lhe fora dito que músicos chegariam do Brasil no dia seguinte. “Me explica direito, por que trazer músicos do Brasil? Aqui temos músicos excelentes!” Ao tomar melhor consciência do que o projeto representava, Tom tremeu. “Peraí, esse negócio é muito importante! É a maior cantora do Brasil! Eu não posso...” Segundo Cesar, o auge daquele misto de charminho e insegurança deu-se a partir da informação de quem faria os arranjos. “Você??!! Mas como?”, surpreendeu-se Tom, para o desespero de Elis e Aloysio. Sem pestanejar, Tom pediu à esposa que lhe passasse os telefones de Claus Ogerman e Dave Grusin, que revelaram-se assoberbados ao serem procurados para um projeto tão em cima da hora e não puderam aceitar. Acabou sendo o próprio Cesar que fez os arranjos, que, aliás, ficaram espetaculares. As músicas do disco eram: a mais famosa gravação de Águas de Março, num dueto inesquecível dos dois, Pois é, do Tom e do Chico, a maravilhosa Só tinha de ser com você, Modinha, Triste, a espetacular Corcovado, O que tinha de ser, Retrato em branco e preto, Brigas nunca mais, Por toda minha vida, Fotografia, Soneto da Separação, do Tom e do Vinícius, a maravilhosa Chovendo na Roseira, do Tom e do Aloisio Oliveira e a bela Inútil Paisagem. Findas as gravações, Tom ligou para Cesar e, numa de suas melhores metáforas, sentenciou: “Eu gosto de tomar banho de banheira, com água parada. Já vocês gostam de tomar banho de chuveiro, com água fresca. Fiquei um pouco assustado quando recebi tanta informação nova, trazida pelos jovens”. Foi sua forma de demonstrar simpatia pelo projeto e pela forma como fora realizado.

Em 1975, João Donato, lança um dos seus melhores discos: LUGAR COMUM. É uma espécie de continuação do sensacional QUEM É QUEM, de 1973. Assim como no anterior o Donato canta na maioria das faixas e a maioria das músicas em parceria com Gilberto Gil e Caetano Veloso. As músicas do disco são: a belíssima Lugar comum, Tudo tem, a maravilhosa A bruxa de mentira, a também maravilhosa Ê menina, a explendorosa Bananeira, que vira um clássico mundial, Patumbalacundê, Xangô é de bauê, a inglês Pretty Dolly, parceria com Norman Gimbell, a mais que espetacular Emoriô, que já foi gravada até em inglês, por ninguém menos que Sérgio Mendes, Naturalmente, a suingada com sotaque latino Que besteira e Deixei recado.


Em 1976, Tom Jobim lança mais um disco memorável o espetacular URUBU. O disco é todo inspirado em seu ídolo Villa-Lobos e é um disco totalmente ecológico. As músicas do disco são: Boto, do Tom e do Jararaca, com a participação de Miúcha, mulher de João Gilberto e irmã de Chico Buarque, a bela Lígia, a fenomenal Correnteza, do Tom e do Luiz Bonfá, Ângela, a também fenomenal Saudade do Brasil, uma música instrumental maravilhosa, Valse, do seu filho Paulo Jobim, a espetacular Arquitetura de Morar e o Homem, tirada do disco SINFONIA DA ALVORADA.


Um comentário:

Anônimo disse...

Bernardo, realmente, é um projeto que invejo: escrever sobre bossa-nova. Aliás, invejos e não me atrevo. Muita responsabilidade. Adoro esse blog e adoro você também. Beijos no coração!